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VESTÍGIOS
de MAGIA
I
Leia os traços
cruzados neste rosto
cercado de silêncio: pedra viva
em movimento. A boca cresce esquiva
e ri branca e despida para dentro
no rumo dos seus lábios. São os dentes
a cerca protegida, são a vida
as sombras de cabelo derramadas
pelo corpo calado. Leia os traços
da fala - a mão repele, vibra, grita
no barbante seu nó para outra boca
acesa em pensamento: porta aberta
às grades do sorriso, cerca estreita
ao alcance da recta ameaçada
e o rumor pelo susto sacudido.
II
Este voo de cor voo caído,
pano guardado no ar preso por mãos
perdidas de sua forma: voo ruído,
que traços traz, que letras, que mistura
que nem chega a compor-se nos sentidos?
Atrás desse tremor coloco o ouvido,
atrás do ouvido as mãos, busco a figura
do súcubo no escuro. Qual seu dom?
de assaltar-me e fugir, de ser perdido
acúmulo de sombra, assombração?
Vejo os dedos; agulhas
distribuidas,
multiplicam-se quietas, trazem linha
nas unhas - aparecem resguardadas
no enleio derramado dos sorrisos.
III
De que curva das trevas,
de que ponta
o negro voo treme e o ar trespassa
e bate nos sentidos suas asas
para acordar o canto, vil preságio
de sujo enigma, este susto e espanto?
Uma treva sem trégua, uma perdida
face escondida se desprende e foge
atrás de si para encontrar-se ao lado
de quem renega e aceita. Ser sem nome,
cujo dom é nutrir-se de seus passos
como o corvo se nutre com seu voo
da solidão que o habita, sem receio,
rompe com o bico a negridão e surge
nas páginas abertas deste espaço.
IV
Não é do
sono que nasce
nem de obscuras palavras
mas da luz que me ilumina
os braços, olhos e face.
Nasce de estranhos presságios
submersos nos meus sentidos
esta encantação de pássaros
que voam da minha fala.
Nasce talvez dos meus
gestos
de recônditos segredos
e são as minhas secretas
alegrias e meus medos.
São meus transes,
meus instantes
que me possuem com a beleza
de extrair corpos e plumas
das tábuas da minha mesa.
São minhas múltiplas
horas
de alucinados prazeres
em que me assistem transidos
o anoitecer e as auroras.
Ah dom de inventar-me
alado
e voar com os meus vocábulos
sem espaços que limitem
meus pés no chão repousados.
FOED CASTRO CHAMMA
in "Narceja "antologia de poesia"
São Paulo, 1959
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