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SONETOS

Que poderei do mundo já querer,
que, naquilo em que pus tamanho amor,
não vi senão desgosto e desamor,
e morte, enfim; que mais não pode ser!

Pois vida me não farta de viver,
pois já sei que não mata grande dor,
se cousa há que mágoa dê maior,
au a verei, que tudo posso ver,

A morte, a meu pesar, me assegurou
de quanto mal me vinha; já perdi
o que perder o medo me ensinou.

Na vida desamor sómente vi,
na morte a grande dor que me ficou;
parece que para isto só nasci.

 

Com grandes esperanças já cantei
com que os deuses no Olimpo conquistara;
depois vim a chorar porque cantara
e agora choro já porque chorei.

Se cuido nas passadas que já dei,
custa-me esta lembrança só tão cara
que a dor de ver as mágoas que passara
tenho pela mor mágoa que passei.

Pois logo, se está claro que um tormento
dá causa que outro n’alma se acrescente,
já nunca posso ter contentamento.

Mas esta fantasia se me mente?
Oh! ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente.

Correm turvas as águas deste rio,
que as do céu e as do monte as enturbaram;
os campos florescidos se secaram,
intratável se faz o vale, e frio.

Passou o verão, passou o ardente estio,
umas cousas por outras se trocaram;
os fementidos Fados já deixaram
do mundo o regimento, ou desvario.

Tem o tempo sua ordem já sabida;
o mundo, não; mas anda tão confuso
Que parece que dele Deus se esquece.

Casos, opiniões, natura e uso
fazem que nos pareça desta vida
que não há nela mais que o que parece.

 

Eu cantei já, e agora vou chorando
o tempo que cantei tão confiado;
parece que no canto já passado
se estavam minhas lágrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta: "Quando?"
não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado
que o passado, por ledo, estou julgando.

Fizeram-me cantar, manhosamente,
contentamentos vãos, mas confianças;
cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
onde a Fortuna injusta é mais que os erros?

LUÍS DE CAMÕES
in "Versos de Camões"
escolhidos e prefaciados por Vitorino Nemésio
Ed. Direcçã-Geral do Ensino Primário, 1962
303 páginas (esgotado)

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