COTOVIA
COTOVIA
Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que tantas saudades me deixaste?
Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento.
Em sítios que nunca viste,
De um país que não existe...
Voltei, te trouxe a alegria.
Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.
Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia...
E esqueceste Pernambuco,
Distraída?
Voei ao Recife, no Cais
Pousei da Rua da Aurora.
Aurora da minha vida,
Que os anos não trazem mais!
Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, ainde alcança
Só a asa da cotovia,
Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.
MANUEL BANDEIRA
in "Estrela da Vida Inteira"
Livraria José Olympio Editora,
Rio de Janeiro, 1980
350 páginas
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