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O OUTONO

I. Despem-se as árvores da sua carne de verdura, e o seu vulto esquelético, às horas do poente, sangra, crucificando no crepúsculo.
No oiro das folhas mortas, no roxo dos enormes ermos, adivinha-se a mão nublosa que os pintou, porque ela aperta-nos o coração no peito. É a mão da tristeza, que é a própria Morte em sombra de ternura, a morte beijando-nos na face...

II. O Outini é belo para o homem, porque o faz antegozar o repouso eterno, e acorda, em nós, o fantasma adormecido, o Anjo remoto em que se transmuda a criatura, depois do último suspiro.

III. Todos nós, pelo Outono, somos esse anjo, dalgum modo... E é, por isso, que os sentidos adquirem estranhas virtudes, sob o primeiro sopro do nordeste e a primeira nuvem escura... Ouvimos e vemos mais além; e a luz do nosso olhar, habituada apenas ao contacto das coisas materiais, parece dar forma e relevo a Figuras, que viviam dispersas em brumas de melancolia...

IV. Se a penumbra outonal aviva a nossa tristeza, torna-a distante de nós, como que a recebe, em seu nubloso seio morto...
Emigramos para o reino da Quimera, e sentimos a nossa presença de carne e osso esbater-se, divinamente, em névoa e sonho...

V. O outono é belo, porque nos provoca uma fuga da alma sobre as cousas, isto é, sobre o Passado. E o homem adora tudo o que o afasta de xsi mesmo. Ele Gosta de contemplar através da saudade —, essa distância espiruitual, que dá perspectiva eterna ao seu frágil ser transitário.

VI. Ah, se a morte fossse a infinita lembrança da Vida?!
Não será o Reino da Saudade o espaço misterioso, que medeia entre esta vida e o Além? E a dor que deixamos, nos outros, ao partir, não irá formar o corpo do nosso espectro? a luz da sua consciência e dos seus olhos?
Ai dos mortos esquecidos! São apenas esqueletos...

VII. O outono é belo para o homem, porque ele já foi árvore, e recorda ainda a delícia do adormecer, quando a seiva pára arrefecida e a sensação do mundo externo, tomba, com as folhas, das ramagens.

TEIXEIRA DE PASCOAES

in "Senhora da Noite"
Verbo Escuro
Ed. Assírio & Alvim, 1999
154 páginas
2300$00

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