sem título
Isto há-de acabar numa mitológica bebedeira,
Por força!...
Hei-de vir a ser, não sei como,
A existência de todas as inexistentes sereias,
Todas as ondas e areias,
E Neptuno e a quadriga do Sol,
Puxada por uma corça
De olhar langue
E por um cavalo de olhar duro como uma seta.
Não sei como,
mas isto vai acabar em bebedeira completa,
Por força...
Depois ponho-me a cantar
O seu canto salgado, ácido e longo
E vou ser a rocha onde uma gaivota fará o ninho
E, maternal, pensar que voo há-de oferecer a cada filho
E em que propício mar há-de ensaiá-lo...
Depois ponho-me a cantar
Em ululo, entre o verde e o azul,
Que ondulo, cantando em ululo,
Tal qual o mar sugando à vítima,
A voz íntima e soturna que o fará bailar.
(Tenho já que ir pensando
Como explicarei ao polícia de trânsito
Que tudo isto será uma bebedeira marítima
Bebedeira emotiva e de passageiro transe...).
ANTÓNIO DE NAVARRO
in "Poema do Mar"
Ed. Portugália, 1957
195 páginas (esgotado)
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