Oscar Wilde: o Fascínio
pela Beleza Eterna
Por Lucinda Canelas
A sociedade que critica é superficial,
fútil e hipócrita. É nela que Oscar Wilde
encontra os estereótipos que lhe servem de inspiração
para os personagens, sem nunca promover meras imitações
da vida. Para o escritor, habituado ao escárnio da
crítica, mais interessada na sua vida privada do que
na sua obra literária, a arte, suprema manifestação
do génio, estava sempre sujeita a qualquer apreciação.
"A mais elevada, como a mais medíocre,
forma de crítica é uma expressão autobiográfica",
escreve Wilde no prefácio d'"O Retrato de Dorian
Gray", um dos romances que mais fascínio provocou
entre os "leitores-leigos" e os especialistas.
O fascínio tem, aliás, uma presença
constante nesta obra publicada em 1890, à qual o autor
acrescentou, no ano seguinte, um prefácio - composto
por frases aparentemente desconexas, cujas ideias são
reiteradas ou contrariadas ao longo da narrativa - e seis
novos capítulos.
Tal como acontecera em obras anteriores, Wilde
foi atacado violentamente depois da publicação
de "O Retrato de Dorian Gray", romance que a crítica
classificou como "conto imoral", procurando no ciclo
das suas amizades os originais de Dorian Gray, Lord Henry
Wotton e Basil Hallward, os personagens principais.
"Os livros a que o mundo chama imorais
são os livros que mostram ao mundo o seu opróbio,
nada mais", diz Lord Henry.
Provocando a crítica, Wilde acrescenta:
"A diversidade de opinião sobre uma obra de arte
revela que a obra é nova, complexa e vital."
Um conto exemplar
Basil, Henry e Dorian fazem parte da alta-sociedade londrina,
espartilhada por uma moralidade que Oscar Wilde transgredia
permanentemente. O primeiro é um pintor de reconhecido
valor que se deixa fascinar pela beleza de Dorian. O segundo,
um nobre irónico que vê no objecto de adoração
de Basil um arquétipo da perfeição, o
receptáculo ideal para as suas teorias hedonistas.
Dorian começa por ser o jovem e rico modelo de Basil
para se transformar, no decorrer da acção, num
homem calculista que valoriza o prazer acima de tudo e que
acredita poder vivê-lo sem vestígios de culpa.
No começo do romance, Basil revela a
Henry o retrato de um homem de uma beleza dionisíaca
que conhecera numa festa em casa de Lady Agatha. Procurando
obrigá-lo a expor o que diz ser a sua obra-prima, Henry
mostra-se interessado em conhecer Dorian Gray. Mais tarde,
entre os dois nasce uma amizade que tem por base um pressuposto
simples - Henry influencia Dorian com as suas ideias sobre
a arte, a beleza e a (i)moralidade; Dorian deixa-se influenciar.
"O prazer é a única coisa
de que vale a pena ter uma teoria. (...) O prazer é
o teste da Natureza, o seu sinal de aprovação.
Quando nos sentimos felizes, somos sempre bons, mas quando
somos bons nem sempre nos sentimos felizes", diz Henry
ao jovem Dorian.
Passando pela música, a escultura, o
teatro e a pintura, "O Retrato de Dorian Gray" é
uma obra em que a arte assume um papel central ("Não
há nada que a arte não possa exprimir",
garante Basil), promovendo a reflexão sobre a eterna
juventude, o mito da beleza e da perfeição de
todas as coisas. Sobretudo do homem.
Consciente de que a beleza e a juventude que
Basil fixara no seu retrato estavam condenadas a desaparecer,
Dorian celebra um estranho pacto que lhe permite transferir
para o quadro todas as marcas que o tempo e a experiência
deviam deixar no seu próprio corpo.
Ao longo do romance, Dorian mantém-se
jovem e o retrato vai envelhecendo e acumulando os traços
hediondos que lhe são impostos pelo quotidiano. O suicídio
de uma jovem actriz que se apaixona por Dorian, Sybil Vane,
a morte do irmão que procura vingá-la, e um
homicídio que surge como resposta a um confronto directo
(Dorian esfaqueia Basil quando o pintor lhe revela ter conhecimento
do segredo) são alguns dos episódios mais marcantes.
Dorian está apenas obcecado pelo prazer
- é por isso que muitos classificam o romance como
um tratado sobre o "novo hedonismo" - e pela beleza
(a arte é sempre mais valiosa do que a vida e a estética
mais importante do que a moral). Pouco lhe importa que Sybil
o ame - "O mundo parou por tu seres feito de marfim e
ouro. As curvas dos teus lábios reescrevem a história",
diz-lhe - e Basil o idolatre.
No final, Dorian, que nunca viu cumpridas as
promessas de isenção de culpa que Lord Henry
lhe fizera, quer voltar atrás. Mas isso, tal como a
imortalidade, a beleza e juventude eternas, não é
possível.
Sendo uma das obras mais fascinantes de Oscar
Wilde, autor de títulos como "O Leque de Lady
Windermere", "Salomé" e "De Profundis",
"O Retrato de Dorian Gray" é um dos romances
mais polémicos do século XIX.
Muitos consideraram-no autobiográfico
e viram na relação de Basil e Dorian um reflexo
da ligação homossexual entre o escritor e Lord
Alfred Dougas (tornada pública em 1891, ano da segunda
edição revista e aumentada), que viria a valer-lhe
a rejeição da sociedade vitoriana, um julgamento
e dois anos de trabalhos forçados.
Às críticas, o irónico
Wilde, observador sublime, respondeu apenas: "Basil Hallward
é aquilo que eu penso de mim; Lord Henry, o que o mundo
pensa de mim; Dorian é o que eu gostaria de ser noutra
época, talvez."
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