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D.H. Lawrence
Entre a convenção e o
desejo
Por Marisa Torres da Silva
No ano em que foi publicado
“O Amante de Lady Chatterley” (1928), por uma
pequena editora de Florença, o “Sunday Chronicle”
considerava o livro de D.H. Lawrence “um dos romances
mais abomináveis jamais escritos”. Seis dias
depois, o jornal britânico “John Bull” qualificava-o
igualmente com termos pouco simpáticos, como “bestialidade”,
“depravação indescritível”
ou mesmo “lixo”.
A negativa e escandalizada
recepção da obra na altura em que surgiu —
em 1932 foi publicada em Inglaterra uma versão censurada,
e foi apenas em 1960 que o texto completo conseguiu circular
livremente pelo país — não impediu, porém,
que “O Amante de Lady Chatterley” se tornasse
no romance mais célebre do autor britânico. Foi
o último que escreveu, dois anos antes de ser internado
no sanatório de Vence, França, onde veio a morrer
de tuberculose, doença que o afectava desde a adolescência.
O tema do livro (uma mulher
que se apaixona por um homem de classe inferior, apesar dos
constrangimentos sociais) não era novo na produção
narrativa de Lawrence, estando já presente em títulos
anteriores como “Pavão Branco” —
com o qual se estreou como romancista, em 1911 — e “The
Lost Girl”.
Mas em “O Amante...”,
além das muito faladas e pormenorizadas descrições
das manifestações amorosas entre Lady Chatterley
e o caseiro Mellors, explode a amarga denúncia de uma
sociedade industrializada, mecânica, fria e repressiva,
que se opõe a toda e qualquer forma de espontaneidade.
Constance, a princípio conformada com essa rigidez
monótona da classe senhorial britânica e do seu
marido paraplégico Clifford, descobre o corpo masculino
do amante e o seu próprio corpo, numa espécie
de ritual de iniciação aos prazeres da carne
e dos afectos.
Os sucessivos êxtases
orgásmicos de ambos — como um turbilhão
selvático que rasga as trevas da noite — cedo
se transformam num amor profundo, capaz de transpor convenções
sociais cristalizadas. Perante a evolução de
sentimentos, o livro adquire uma textura mais íntima,
carinhosa até. Com efeito, Lawrence, ao falar dele
ao seu amigo alemão Max Mohr, exprime esse carácter
ambivalente da história: “É tão
chocante, o romance mais impróprio do mundo!... Mas
também é um livro muito puro e terno.”
Olivier Mellors, o mestre
de Constance na sua aspiração à liberdade,
encarna a oposição face a esse sistema que converteu
os homens em insectos de trabalho, destituídos de humanidade
e de alma. Pelo contrário, Clifford, o marido, personifica
o patrão pedante e artificial — tão maquinal
como a cadeira de rodas em que se desloca.
Para os que desprezaram “O
Amante...” ou para os que o consideraram obsceno, Lawrence
dirige-lhes as seguintes palavras no prefácio da segunda
edição da obra, em Paris, 1929: “Conservem
as vossas perversões, se isso vos consegue dar prazer,
as vossas perversões de puritanismo, ou de moderno
impudor, ou de simples grosseria. Quanto a mim, defendo o
meu livro e a minha posição: a vida só
é aceitável se o espírito e o corpo viverem
em harmonia, se houver um natural equilíbrio entre
ambos e sentirem um pelo outro um respeito espontâneo.”
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