|   EXCERTO 
                   Foi uma sorte para mim 
                    ter sido deportado para Auschwitz só em 1944, isto 
                    é, depois de o governo alemão, devido à 
                    crescente escassez de mão-de-obra, ter decidido prolongar 
                    a vida dos prisioneiros a eliminar, concedendo sensíveis 
                    melhorias nas condições de vida e suspendendo 
                    temporariamente as execuções individuais arbitrárias. 
                    Por isso, este meu livro nada acrescenta, no que diz respeito 
                    a pormenores atrozes, a quanto já é do conhecimento 
                    dos leitores de todo o mundo acerca do tema inquietante dos 
                    campos de extermínio. Ele não foi escrito com 
                    o objectivo de formular novas acusações; servirá 
                    talvez mais para fornecer documentos para um estudo sereno 
                    de alguns aspectos da alma humana. Pode acontecer que muitos, 
                    indivíduos ou povos, julguem, mais ou menos conscientemente, 
                    que «todos os estrangeiros são inimigos». 
                    Na maioria dos casos esta convicção jaz no fundo 
                    dos espíritos como uma infecção latente; 
                    manifesta-se apenas em actos esporádicos e desarticulados 
                    e não se constitui num sistema de pensamento. Mas quando 
                    tal acontece, quando o dogma não enunciado se torna 
                    premissa maior de um silogismo, então, no fim da cadeia, 
                    encontra-se o Lager. Ele é o produto de uma concepção 
                    do mundo levada às extremas consequências com 
                    rigorosa coerência: enquanto a concepção 
                    subsistir, as consequências ameaçam-nos. A história 
                    dos campos de extermínio deveria ser interpretada por 
                    todos como um sinal sinistro de perigo. 
                    Estou consciente, e peço compreensão, dos defeitos 
                    estruturais do livro. Ele nasceu, se não de facto, 
                    pelo menos como intenção e como concepção, 
                    já nos últimos dias do Lager. A necessidade 
                    de contar aos «outros», de tornar os «outros» 
                    conscientes, tomara entre nós, 
                    antes e depois da libertação, o carácter 
                    de um impulso imediato e violento, ao ponto de rivalizar com 
                    as outras necessidades primárias: o livro foi escrito 
                    para satisfazer essa necessidade; em primeiro lugar, portanto, 
                    como libertação interior. Daí o seu carácter 
                    fragmentário: os capítulos foram escritos não 
                    em sucessão lógica, mas por ordem de urgência. 
                    O trabalho de coordenação e de fusão 
                    foi feito à secretária, e é posterior. 
                    Parece-me supérfluo acrescentar que nenhum dos factos 
                    é inventado.   
                      
                   
                      
                   
                 |