Tiragem de 100 mil
exemplares
"Margarita
e o Mestre", de Mikhail Bulgakov, amanhã na Colecção
Mil Folhas
Terça-feira,
20 de Agosto de 2002, Por ALEXANDRA LUCAS COELHO
Sátira política,
fantástica e lírica, "Margarita e o Mestre"
esteve proibida na URSS durante quase 30 anos. Uma obra-prima
do romance do século XX
Mikhail Bulgakov escreveu "Margarita
e o Mestre" em segredo, ao longo de onze anos, entre
1929 e 1940, numa Moscovo em que as suas peças eram
insultadas (e depois proibidas) pela crítica oficial
mais diligente, e os seus amigos iam desaparecendo, exilados
ou executados - aquilo a que se veio a chamar terror estalinista.
Enquanto escrevia, noite após
noite, Bulgakov sabia que ia morrer, como o seu pai morrera,
de uma doença hereditária dos rins. Previu mesmo
o ano em que morreria, 1939. Falhou por meses. Morreu, de
facto, a 10 de Março de 1940, ainda não tinha
cumprido 49 anos.
Duas semanas antes, já cego, e
sem poder sair da cama, ditou as últimas emendas ao
romance a Elena Sergueievna Shilovskaia, sua terceira mulher
- a Margarita do livro, a sua Margarita. Tinham-se conhecido
em 1929, casaram-se três anos depois, foram inseparáveis
até ao fim.
Com uma fé inabalável no
futuro, ela guardou tudo o que ele foi escrevendo, obras (manuscritas,
banidas) e cartas. E depois da morte de Bulgakov passou quase
30 anos a lutar pela publicação de "Margarita
e o Mestre". Em 1966, o romance veio pela primeira vez
à luz, na revista "Moskva", com passagens
censuradas. Só no início dos anos 70 foi publicado
em livro. Elena morreu, pouco depois.
Aclamado como uma obra-prima um pouco
por todo o mundo, quando as primeiras traduções
começaram a ser publicadas, "Margarita e o Mestre"
continuou, no entanto, sujeito a uma circulação
restrita na URSS da Guerra Fria. Tornou-se um romance de culto
genuinamente popular, passado de mão em mão,
pago a peso de ouro no mercado negro. Só com a perestroika
- a que se seguiu, em 1991, o centenário do nascimento
de Bulgakov - foi oficialmente "reabilitado".
Lido hoje, permanece dificilmente classificável,
livre e absoluto, portanto.
Sátira política das misérias
do aparelho estalinista, com seu séquito de siglas,
funcionários, delatores, trafulhas e mentirosos de
meia-tijela, que escondem divisas estrangeiras nas canalizações
da casa-de-banho e se esgadanham por mais uma salinha, mais
um metro quadrado nos apartamentos comunitários?
Romance fantástico que convoca
o diabo, com sua corte de saltimbancos, para semear o caos
na capital da revolução, e retoma o mito de
Fausto no feminino, fazendo de Margarita rainha-anfitriã
de um grande baile satânico?
História de um amor além
da morte, ferozmente lírico e nunca sentimental, o
de Mestre e Margarita?
Fábula metafísica, que
evoca Cristo e Pilatos no lugar vazio deixado pela erradicação
oficial do bem e do mal?
"Margarita e o Mestre" será
tudo isto e o que cada leitor quiser, ainda. Escrito em segredo,
e proibido tantos anos, é uma prova de que toda a arte
é íntegra ou não será. Ou de que
- como diz o diabo de Bulgakov - "os manuscritos não
ardem".
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