Margarita e o Mestre
Michail Bulgakov



 


Perfil
A breve longa vida de Mikhail Bulgakov
Quarta-feira, 21 de Agosto de 2002, Por Alexandra Lucas Coelho

Mikhail Afanasievitch Bulgakov - nascido a 15 de Maio de 1891 em Kiev, hoje capital da Ucrânia - foi o primeiro de sete filhos de um casamento (tudo indica) tranquilo e feliz. O pai era professor de teologia e versado em oito línguas, incluindo grego e latim. As crianças foram habituadas desde cedo a ler, ir ao teatro e à ópera, e encenavam pequenos espectáculos em casa.

Se o fascínio pelas questões metafísicas terá sido favorecido pela erudição do pai - que Bulgakov admirava muitíssimo -, a paixão do teatro virá dessa proximidade prematura com o palco. Asseguram os relatos que em 1912 Bulgakov viu nada menos que 10 vezes o "Fausto" de Gounod. O mito do mago em busca de conhecimento que vende a alma ao diabo haveria de o acompanhar ao longo dos anos.

Chegou a pensar ser actor ou cantor, mas acabou por entrar para a Faculdade de Medicina de Kiev. Começara a estudar o darwinismo, declarara-se ateu, a ciência interessava-lhe. O ambiente familiar era propício: dois tios médicos, para além do médico que veio a ser padrasto (bem-amado) dos Bulgakov, depois da morte do pai.

Em 1913 casa-se pela primeira vez. No ano seguinte a I Guerra rebenta. É o fim de um tempo. Durante a Guerra, o ainda estudante Bulgakov vai tratar feridos para a província, onde, depois de formado, se vê, em pânico, a dirigir um hospital. Faz operações para as quais não está preparado, tenta travar a sífilis num ambiente de ignorância e preconceitos. Quando apanha difteria, vicia-se em morfina, que só abandonará a custo, com a ajuda da mulher.

Em 1917 rebenta a revolução bolchevique. A guerra civil estala ainda a Guerra Mundial não acabou. O império fractura-se. Dois irmãos de Bulgakov lutam no Exército Branco, partidário do czar. Em Kiev combatem brancos, vermelhos e ainda os nacionalistas ucranianos. Em 1919, Bulgakov é mobilizado pelos brancos para Vladikavkaz, no Cáucaso, a milhares de quilómetros. Nesse ano ainda, publica o primeiro texto seu de que há registo, um artigo antecipando os riscos da vitória bolchevique.

Quando os brancos, derrotados, se preparam para retirar de Vladikavkaz, em 1920, Bulgakov adoece com tifo. Quando recupera, o domínio é dos vermelhos. Desiste da medicina para sempre, criando uma espécie de nova identidade, e começa a escrever peças de teatro. Defender Pushkin vale-lhe ser denunciado como burguês reaccionário. Queima manuscritos.

Na Primavera de 21, parte para o Mar Negro, hesitante sobre emigrar ou não, via Turquia. Decide dedicar-se à vida literária, em Moscovo.

Encontra a capital soviética esgotada da guerra, das guerras. E cheia de fome. Lenine dá início à nova política económica, a NEP. A inflação galopa. Bulgakov vai viver para um apartamento comunitário, com mais uma dúzia de cidadãos. Entre 1922 e 1926, escreve para vários jornais dezenas de peças satíricas sobre os resultados da NEP. Pelo meio, começa a publicar o romance "A Guarda Branca", inspirado na sua própria família.

Stanislavski propõe-lhe encenar o texto no Teatro de Arte de Moscovo. Sob o título "Os Dias dos Turbin", é um sucesso estrondoso, em 1926. Pela primeira vez, em plena revolução, os brancos não são vistos como uma corja sanguinária. Conta-se que há quem chore de comoção na plateia.

Bulgakov - entretanto casado pela segunda vez - multiplica-se como dramaturgo, adaptando peças, escrevendo originais, prefigurando-se como um sucessor de Tchekov no teatro. Mas ao aplauso do público corresponde cada vez mais o azedume do regime e da crítica oficial. Em 1929, Bulgakov deixa de conseguir publicar. Ainda trabalhará na direcção do Teatro, com Stanislavski - de quem desconfia, progressivamente - e depois no Bolshoi, como libretista. Os onze anos que se seguem, são os de "Margarita e o Mestre", sempre ao lado de Elena, a sua terceira mulher. É nos braços dela, em casa, longe do hospital, que morrerá, aos 48 anos, a 10 de Março de 1940. Assim quis que fosse.

(fontes: "Manuscripts Don't Burn - Mikhail Bulgakov, a Life in Letters and Diaries". J. A. E. Curtis, Bloombsbury, Londres, 1991; "Bulgakov/Mandelstam",
in "Glas/New Russian Writing", Moscovo, 1991)