A Costa
dos Murmúrios
Lídia Jorge



 

Um Romance Sobre a Violência e a Memória
Quarta-feira, 24 de Julho de 2002

Lídia Jorge acredita que a criação literária está ligada ao desejo de testemunhar o tempo em que se vive. "O Dia dos Prodígios" (1980), o seu romance de estreia, foi considerado pelo ensaísta Eduardo Lourenço "o livro-chave do novo olhar romanesco pós-Abril" justamente porque questionava as reais mudanças ocorridas em Portugal na sequência da Revolução dos Cravos. Já em "A Costa dos Murmúrios" (1988), a escritora busca inspiração na atmosfera de violência que respirou, no início dos anos 70, em Moçambique.

"A Costa dos Murmúrios" divide-se em duas partes. A primeira, mais curta, chama-se "Os Gafanhotos" e narra, na terceira pessoa, a festa matrimonial de Evita e do alferes Luís Alex no terraço do hotel Stella Maris, na Beira. A harmonia das bodas é perturbada por uma série de acontecimentos: o envenenamento intencional de centenas de negros por álcool metílico, uma chuva de gafanhotos e a presença incómoda de um jornalista para apurar a tragédia.

Na segunda parte do romance, Evita toma a palavra para reinterpretar, vinte anos depois, o mundo supostamente estável descrito por "Os Gafanhotos". Ela agora chama-se Eva Lopo. E usa a memória para recuperar, com ironia e sarcasmo, aquilo que ficou camuflado no relato inicial. Temos então acesso a uma versão alternativa do horror, da destruição e da guerra - método de construção narrativa que usa a palavra para descolonizar a própria história.

A.A.S.