Tiragem de 100 mil exemplares
“1984”, de George
Orwell, amanhã nas bancas
Por
Clara Barata
Uma sociedade onde até pensar pode ser crime é
o cenário em que se desenrola “1984”, de
George Orwell.
Com “1984”, George Orwell
imprimiu no imaginário popular um dos pesadelos mais
fortes do conturbado século XX. A sociedade rigorosamente
vigiada, em que nem os pensamentos são livres, tornou-se
um símbolo do horror dos regimes totalitários.
Mas, se em meados do século XX se pensava na União
Soviética de Estaline como o modelo inspirador deste
horror, passadas cinco décadas a obra de Orwell, publicada
amanhã na Colecção Mil Folhas, continua
a dar que pensar. É um romance político, mas
não se fuja deste livro como se fosse um instrumento
de instrução doutrinário. Não
é sequer o contrário dos poeirentos livros de
materialismo dialéctico que ainda ameaçam o
incauto frequentador dos saldos de livros. Muito longe disso.
Ler “1984” é um convite para pensar. Para
olhar à sua volta e raciocinar sobre o mundo, aprender
a não se deixar enganar nem manipular. Isto num cenário
que usa a ficção científica como mecanismo
para contar uma fábula terrível.
Winston Smith é um homem frágil,
uma rodinha da bem oleada engrenagem montada para manter um
presente contínuo, uma sociedade governada por um partido
único e infalível, em que os chefes se escondem
por trás de um rosto fictício — o do Grande
Irmão —presente em todo o lado.
Existe uma Polícia do Pensamento que
se encarrega de eliminar os dissidentes mesmo antes de estes
terem a noção de que estão a ir contra
os preceitos que regem a sociedade. Aliás, as leis
nem sequer estão escritas, e por isso os cidadãos,
quando pensam em alguma coisa, têm que adivinhar se
estarão ou não a violar a lei. Os filhos são
incentivados a denunciar os pais, a espiá-los pelo
buraco da fechadura à noite. A única lealdade
estimulada é a lealdade ao Grande Irmão e ao
Partido.
Winston é o motor da história
de “1984” porque começa a duvidar e um
dia, num mês de Abril do que pensa ser aquele ano —
depois da guerra nuclear dos anos 50, ninguém tem certeza
das datas —, atreve-se a dar um primeiro passo na afirmação
da sua individualidade: compra um diário.
Mas, num mundo em que até a linguagem
está a ser mudada — a Novilíngua vai começar
a substituir o inglês em Inglaterra, uma das províncias
da Oceânia —, até pensar é difícil.
Ainda assim, os crimes de pensamento de Winston acumulam-
se: vive uma relação amorosa, revolta-se cada
vez mais contra a manipulação da verdade da
qual ele próprio é instrumento (o seu trabalho
no Ministério da Verdade é mudar artigos de
jornais já publicados, adequando-os ao presente) e
acaba por ser apanhado.
Esta não é uma história
redentora com um final feliz. Bem longe disso. Mas é
por isso que continua a ser actual. Afinal, a manipulação
da informação, a democracia e o acesso à
educação — através da qual aprendemos
a usar uma linguagem que nos permite compreender o mundo —
continuam a ser temas tão actuais hoje como em finais
da década de 40 do século XX.
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