O Doutor Jivago
Boris Pasternak





Prémio Nobel em 1958

 

Este Livro Deu Um Filme
Um épico sobre Rússia dos bolcheviques
Quarta, 14 de Agosto de 2002, Por FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA

David Lean dirige Omar Shariff num filme espectacular com a Revolução de Outubro como cenário

Estávamos em 1965. O ano em que foi dado a conhecer ao mundo a família von Trapp e a sua inesquecível Maria, em "Música no Coração", de Robert Wise. Paralelamente, David Lean apresentou o seu mais recente filme, "Doutor Jivago". No entanto, a obra de Pasternak não teve no cinema o seu equivalente, apesar de Lean já ser conotado como um competente realizador de grandes produções, através de uma meticulosa direcção artística e uma especial atenção aos detalhes. Disso são reflexo "A Ponte do Rio Kwai", de 1957, e a sua obra-prima "Lawrence da Arábia", lançado três anos antes de "Doutor Jivago". O filme, mais espectacular do que épico, não consegue resumir toda a riqueza histórica e psicológica do romance.

A obra de David Lean atravessa toda a fase das transformações sociais da Rússia - o período do eclodir da Primeira Guerra Mundial e posteriormente da Revolução Bolchevique, cruzado com um amor proibido. Um ou vários amores em tempos de guerra? Há romantismo quanto baste: o amor de Jivago por Lara, os desencontros dos dois amantes e o seu martírio.

A vida de Jivago é contada em flashback pelo seu meio-irmão, interpretado por Alec Guiness, a uma rapariga que se pensa poder ser a filha perdida de Lara e Jivago. Órfão desde muito cedo, Yuri é criado por uma família inglesa, em Moscovo, apaixonando-se pela filha do casal, Tonia (Geraldine Chaplin). Antes do rebentar da Primeira Guerra, Yuri casa com Tonia. Paralelamente, acompanhamos a vida de Lara (Julie Christie), uma jovem adolescente que vive igualmente em Moscovo, seduzida pelo amante da mãe, o odiável Komarovsky (Rod Steiger), mas acabando por casar com Pasha (Tom Courtney, nomeado para o Óscar de melhor actor secundário). Amigo de infância de Lara, a personagem de Pasha, acaba por ser a mais complexa de todo o enredo. De ingénuo e politicamente idealista, o cenário de guerra acaba por transformá-lo num implacável líder Bolchevique, Sterlnikov, abandonando Lara e a filha de ambos, Katya. Como enfermeira voluntária, Lara acaba por conhecer e apaixonar-se por Jivago, que trabalha como médico nos campos de batalha. Mais tarde, Jivago refugia-se com a família na Sibéria, onde reencontra Lara e iniciam um intenso caso amoroso. Yuri, entretanto recrutado como médico pelo Exército Vermelho, acaba por se ver separado quer de Tonia, quer de Lara, durante três penosos anos. Perdendo o rasto da família, o médico reencontra o seu grande amor, Lara, na mesma cidade onde iniciara o seu caso amoroso. No entanto, os amantes separam-se, de novo por questões políticas, para nunca mais se encontrar. Um final trágico como assim o retratou Pasternak.

Yuri vê Lara como uma deusa, uma obsessão. Talvez devido ao facto de ter ficado órfão tão cedo, não lhe foi permitido criar raízes, e esse é o eterno desejo da personagem central. A sua personalidade e opções mudam constantemente ao longo do filme, vagueando entre Moscovo e a Sibéria, de casa em casa, de guerra em guerra, sempre atento, mas sem nunca tomar uma atitude. Lara, por sua vez, é uma mulher terna, amada e desejada por vários homens, e que encara o facto de uma forma passiva, deixa-se ser amada, mas, no entanto, é vista como uma eterna vítima dos homens. Tonia, mulher inocente e dedicada, é de uma bondade tal que leva a personagem a uma falta de realismo marcante.

Tendo o livro de Pasternak sido banido na União Soviética, Lean foi obrigado a deslocar-se a Espanha e à Finlândia para a realização das filmagens. Desta forma, conseguiu converter o Verão espanhol num cenário de Inverno moscovita, através da contratação de 800 trabalhadores instalados em Espanha, durante oito meses. O filme tem do seu lado a magnífica fotografia de Frederick Young, premiada com o Óscar, como o foi a música de Maurice Jarre, com o inesquecível "Tema de Lara" e o argumento de Robert Bolt.

Assim, "Doutor Jivago" é muito mais a história de um amor impossível do que uma obra política. Talvez essa tenha sido a intenção de Boris Pasternak ao escrever o romance, mas Robert Bolt, o argumentista de Lean, tornou-o numa história de encontros e desencontros, tal como Victor Fleming o fizera em "E Tudo O Vento Levou", de 1939, por detrás do cenário da guerra civil americana.

"Doutor Jivago" não será uma das melhores obras de Lean, mas será, como escreveu um crítico, um dos melhores exemplos da sua arte, tendo todos os ingredientes para se transformar naquilo que se transformou: um êxito de bilheteira, aclamado pelo público.