“A
Canção de Lisboa”,
de José Cottinelli Telmo
Por Vasco T. Menezes
O primeiro filme sonoro inteiramente produzido em Portugal,
um clássico intemporal da comédia portuguesa
Vasco Leitão (Vasco Santana, no seu papel mais famoso, ao
lado do empregado do Grandella em “O Pai Tirano”) é
um estudante de Medicina que vive em Lisboa à custa da mesada
das tias de Trás-os-Montes, Efigénia e Perpétua
Rocha, que o julgam um aluno cumpridor. Mas a escola do irreverente
mandrião e “bon vivant” é outra: a dos
arraiais, retiros de fados e belas mulheres.
A sua natureza de namoradeiro incorrigível leva ao desespero
Alice (Beatriz Costa), a costureira do Bairro dos Castelinhos com
quem mantém uma relação amorosa. Algo que não
agrada particularmente ao pai, o alfaiate Caetano (António
Silva), sabedor de que o bonacheirão aluno está crivado
de dívidas e dificilmente sairá da “cepa torta”.
Com tantas preocupações, era natural que os estudos
passassem para segundo plano. Por isso, no dia do exame final, Vasco
falha rotundamente e chumba. Como um azar nunca vem só, recebe
logo a seguir uma carta das tias a comunicar a sua vinda a Lisboa,
desejosas de conhecer a capital e visitar o escritório do
sobrinho “doutor”…
Nas próximas semanas, a série Y vai recuar no tempo
até aos anos aureos da comédia popular portuguesa,
com um trio de grandes sucessos: “A Canção de
Lisboa” (1933), de José Cottinelli Telmo, “O
Costa do Castelo” (1943) e “O Leão da Estrela”
(1947), ambos de Arthur Duarte.
E não podia haver melhor escolha para iniciar esta viagem
ao nosso passado cinematográfico do que o filme de Cottinelli
Telmo. Trata-se de um dos melhores exemplos deste género
de cinema, que inaugurou, estabelecendo-lhe as bases futuras —
o carácter tipicamente lusitano das personagens e situações,
possibilitando a total identificação dos espectadores
com os filmes, e recorrendo a canções que depressa
se tornavam grandes sucessos. Fica também como o primeiro
filme sonoro inteiramente produzido em Portugal, financiado por
uma sociedade portuguesa e servido por técnicos portugueses
— daí os cartazes originais exclamarem orgulhosamente:
“O primeiro filme português feito por portugueses.”
O êxito (que se estendeu ao Brasil e territórios do
ultramar) de “A Canção de Lisboa” foi
de tal maneira estrondoso que as receitas permitiram pagar muito
do (então em construção) Laboratório
da Tobis (em cujos estúdios decorreu parte da rodagem, entre
Maio e Agosto de 1933, antes da estreia a 7 de Novembro no Teatro
São Luiz).
Percebe-se o fascínio (que tem atravessado gerações):
é uma obra despretensiosa e divertida, com notáveis
interpretações dos três protagonistas, vedetas
maiores da revista e “monstros sagrados” da comédia
de costumes nacional, aqui reunidos no grande ecrã pela primeira
vez.
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