"Morrer
em Las Vegas", de Mike Figgis
Por Vasco T. Menezes
Ben (Nicolas Cage), argumentista alcoólico,
é um homem em queda livre. O seu dia-a-dia resume-se ao desfilar
de garrafas que despeja como se fossem água, por entre carrinhos
de compras de supermercado carregados de "combustível",
cravas ocasionais aos amigos (que apenas se querem ver livres dele)
quando o dinheiro aperta e deambulações nocturnas
pelos bares de Los Angeles.
Abandonado pela mulher e filho - antes ou depois de ter começado
a beber? - perde também o emprego. O que não o preocupa
demasiado, até porque o dinheiro da indemnização
vai dar para financiar uma viagem (sem bilhete de regresso) à
cidade do vício, Las Vegas, para terminar finalmente o que
começara: a sua auto-destruição. Até
que, um dia, conhece Sera (Elizabeth Shue), uma prostituta com coração
de ouro...
Depois de "Dancer in the Dark", a série Y prossegue
sob o signo do melodrama, com "Morrer em Las Vegas" (1995),
de Mike Figgis. Cineasta errático, até aí a
obra do inglês assumira uma curiosa dupla vertente: de um
lado, os exercícios de estilo "experimentais" como
os "neo-noir" "Stormy Monday" (1988) - o filme
de estreia - e "Liebestraum" (1991); do outro, a rotina
industrial de "Ligações Sujas" (1990) ou
"Mr. Jones" (1993), veículos para uma estrela,
Richard Gere. "Morrer em Las Vegas" será então
o seu melhor filme, pela forma como conjuga com destreza esses registos
aparentemente antagónicos, sem cair no pretensiosismo balofo
que marcaria a obra futura e de que o ridículo "A Perda
da Inocência" (1999) é um bom (mau) exemplo.
Aqui, Figgis constrói uma insólita e pungente história
de amor entre um homem e uma mulher que precisam desesperadamente
um do outro. Esquecidos pela vida, encontram juntos, entre os néons
que envolvem e iluminam as ruas de Las Vegas, um breve fogacho de
felicidade. É uma história trágica (ou não
fosse o "filme de alcoólicos" a forma mais fascinante
de tragédia urbana moderna), mas contada com subtileza e
contenção, sem cair em sentimentalismos fáceis
e beneficiando de uma atmosférica banda sonora "jazzy",
da autoria do próprio realizador (só é pena
as canções de Sting...).
Êxito comercial inesperado, o filme acumulou ainda vários
prémios, tendo sido nomeado para quatro Óscares: melhor
realizador, argumento adaptado (por Figgis, a partir de um romance
de John O'Brien, que, ironicamente, se suicidou pouco depois de
vender os direitos do livro para cinema), actor e actriz. Só
Cage ganhou, conseguindo por fim, com uma interpretação
espantosa, a consagração da indústria. Já
Shue, também ela notável (e autêntica revelação),
foi resgatada da obscuridade e ascendeu ao estatuto de estrela.
Se muito do que se seguiu na carreira de ambos é digno de
registo ou não, isso já é outra história...
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