Nova série dos grandes autores
Por Vasco T. Menezes
O
jogo da série Y vai continuar com mais 18 títulos
em DVD, todas as quintas-feiras. A abrir, dia 22, David Lynch e
“Mulholland Drive”. Depois, Spike Lee e um ilustre contingente
europeu: Kusturica, Almodóvar, Von Trier, Wenders ou Moretti.
Todos grandes nomes do cinema contemporâneo.
David Lynch, Spike Lee, Pedro Almodóvar,
Emir Kusturica, Lars von Trier, Nanni Moretti ou Wim Wenders —
é com estes nomes que se faz a nova colecção
de DVD do PÚBLICO. Ou seja, depois de Cronenberg, Woody Allen,
Robert Altman ou Tarantino, os grandes autores do cinema contemporâneo
continuam na série Y.
Na próxima quinta-feira, uma obra-prima
incontornável: “Mulholland Drive” (2001), de
David Lynch. É “uma história de amor na cidade
dos sonhos” (as palavras são do realizador), que aos
clássicos elementos do “noir” alia uma sensualidade
entorpecedora e um erotismo embriagante. Distorções
espacio- temporais, estranhos anões e objectos mágicos
são pistas de entrada num sonho (pesadelo?) deslumbrante
que revela duas presenças inesquecíveis: Naomi Watts
e Laura Elena Harring, Betty e Rita, a inocente e a “femme
fatale” (ou será ao contrário?).
A estrada labiríntica de Lynch é
o mote perfeito para nos perdermos numa viagem por alguns dos títulos
mais marcantes dos últimos anos. Desde logo, a esfuziante
celebração da vida a que Emir Kusturica chamou “Gato
Preto, Gato Branco” (1998). Nesta farsa febril, cuja acção
decorre nas margens do Danúbio, o cineasta jugoslavo volta
a revelar o seu fascínio pela comunidade cigana. O resultado
é uma tresloucada sucessão de peripécias hilariantes
e personagens grotescas, movida por uma energia maníaca que
ressuscita a memória do “slapstick”.
Se o filme de Kusturica é essencial, o de
Almodóvar não o será menos. Falamos de “Tudo
Sobre a Minha Mãe” (1999), a etapa decisiva no processo
de gradual maturidade que o cinema do irreverente espanhol foi conhecendo.
O humor escabroso e o tom provocatório dos primeiros tempos
da obra do realizador – conferir em “Que Fiz Eu Para
Merecer Isto” (ver texto na página anterior) –
dão lugar a um sentido tributo à complexidade do universo
feminino. Num filme dedicado a actrizes – Bette Davis, Romy
Schneider e Gena Rowlands –, elas são espantosas, com
os louros a irem para Cecilia Roth e Marisa Paredes.
De um melodrama para outro: “Dancer In The
Dark” (2000), de Lars von Trier. Desde “Ondas de Paixão”
que o dinamarquês tem feito sofrer as suas “leading
ladies”. Ao que parece, na recente colaboração
com Nicole Kidman, “Dogville” (está em concurso
no Festival de Cannes), isso já não acontecerá.
Por isso, que tal ficarmos com a (até ver...) última
mártir do realizador, Björk? Apesar das desavenças
com o realizador, a diva islandesa é luminosa no papel de
Selma, uma emigrante checa quase cega que trabalha numa fábrica
algures no interior americano e se sacrifica para salvar o filho
do mesmo destino. Comovente e esmagador, o negrume do filme (Palma
de Ouro em Cannes) só é aligeirado por ocasionais
(e coloridos) interlúdios musicais compostos pela autora
de “Violently happy”.
De música também se fazem “Oito
Mulheres” (2002) e “Buena Vista Social Club” (1999).
O primeiro é uma divertida (e muito “kitsch”)
brincadeira cinéfila do actual “enfant terrible”
do cinema francês, François Ozon, que combina Cukor
e Sirk com um “quem matou?” à Agatha Christie
e alguns grandes sucessos da “chanson française”,
recriados por um impressionante elenco de vedetas – de Danielle
Darrieux a Emmanuelle Béart, passando por Catherine Deneuve,
Fanny Ardant ou Isabelle Huppert.
O segundo fica como a incursão do alemão
Wim Wenders e do guitarrista americano Ry Cooder pelas ruas de Havana
e pela memória da música cubana, através de
alguns dos seus mais notáveis intérpretes, autênticas
lendas vivas (e até aí esquecidas) como Compay Segundo
ou Ibrahim Ferrer.
Além desse documentário, vamos poder ver também
uma outra colaboração entre Wenders e Cooder, por
sinal a primeira: “Paris, Texas” (1984). “Road
movie” lírico e melancólico, narra a viagem
– pelo deserto do Texas e até L.A. – de um amnésico
(o grande Harry Dean Stanton) ao encontro da família que
abandonara. Adaptação de Sam Shepard, é um
filme de culto da década de 80 e uma das melhores obras do
realizador.
Espaço ainda para dois grandes sucessos
da recente cinematografia francesa – “O Gosto dos Outros”
(2000), de Agnès Jaoui, e “O Fabuloso Destino de Amélie”
(2001), de Jean-Pierre Jeunet. Êxito estrondoso entre nós,
o filme de Jaoui – actriz e argumentista de Resnais, revela-se
aqui uma cineasta a ter em conta – é um sublime exemplo
da comédia de costumes que examina os “vícios”
do novo-riquismo e da intelectualidade artística. Já
à fábula moderna assinada pelo co-autor de “Delicatessen”
quase dispensa apresentações – a história
da solitária e sonhadora empregada de um café parisiense
que decide ajudar e trazer felicidade aos que estão à
sua volta foi um fenómeno comercial um pouco por todo o lado
e fez da protagonista, a adorável Audrey Tautou, uma estrela
internacional (em França, multiplicaram-se os cortes de cabelo
“à Amélie”...).
De França para Itália e mais uma
Palma de Ouro: “O Quarto do Filho” (2001). Nanni Moretti
deixa aqui de lado as reflexões sócio-políticas
humorísticas habituais e abre o seu cinema a outros territórios
com este drama de uma família confrontada com a tragédia
da morte do filho adolescente. Belíssimo e pungente, é,
claro está, obrigatório.
O cinema português também não
foi esquecido e continua a marcar presença. Além de
um trio de clássicos populares – “A Canção
de Lisboa” (1933), “O Costa do Castelo” (1943)
e “O Leão da Estrela” (1947) –, um objecto
moderno nada despiciendo: “O Delfim” (2002), a adaptação,
por Fernando Lopes, do romance de José Cardoso Pires, que
proporcionou a Alexandra Lencastre e Rogério Samora duas
grandes interpretações.
São títulos que dão à
colecção um forte sabor europeu. No entanto, o cinema
do outro lado do Atlântico tem ainda os seus representantes:
“Mulholland Drive”, mas também “Verão
Escaldante” (1999), de Spike Lee – magnífico
retrato de grupo e um lamento pela Nova Iorque dos anos 70 –,
e “Morrer em Las Vegas” (1995), de Mike Figgis –
invulgar história de amor entre duas almas perdidas, um alcoólico
e uma prostituta, trouxe a Nicolas Cage um Óscar e a consagração
da indústria.
Sobram por isso razões mais do que suficientes
para se continuar a apostar na série Y, até porque
agora os extras são bem mais variados e apetecíveis
— “trailers”, comentários, entrevistas
ou documentários...
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