Ymperdíveis
Por Vasco T. Menezes
De Pedro Almodóvar a Agnès
Jaoui, passando por Patrice Chéreau e Wim Wenders –
é com um sedutor e irresistível sabor europeu que
se fazem as próximas atracções da série
Y. Na companhia destes nomes, está garantido um Julho em
beleza.
Se
o mês de Junho na série Y fecha hoje com chave de ouro
– é o dia do delirante “Gato Preto, Gato Branco”
(1998), de Emir Kusturica –, o que dizer de Julho? Com títulos
de autores como Pedro Almodóvar, Wim Wenders, Patrice Cheréau
e Agnès Jaoui, fica a garantia de que nas próximas
quatro semanas o bom cinema continuará a passar pela colecção
de DVD do PÚBLICO.
E como temos de começar por algum lado, que tal com os mais
novos? Neste grupo de ilustres, a francesa Agnès Jaoui faz
figura de benjamim. No entanto, e a julgar pela excelência
da sua primeira obra como realizadora, não tardará
muito para que a actriz e argumentista de Resnais atinja o estatuto
(e prestígio) dos restantes.
“O
Gosto dos Outros” (2000), fenomenal sucesso de bilheteira
em Portugal (tal como o já havia sido antes no país
de origem), é uma deliciosa comédia de costumes que
examina, com subtileza e ironia, as relações –
pessoais, profissionais e familiares – na sociedade moderna.
Através da interacção de um magnífico
mosaico de personagens, faz-se o retrato caloroso dos vícios
de todo um tecido social, do proletariado ao novoriquismo, passando
pela intelectualidade artística. Se no filme de Jaoui homens
e mulheres dividem o primeiro plano, em “Tudo Sobre a Minha
Mãe” (1999) o protagonismo é todo delas. Nem
poderia ser de outra forma, ou não viesse assinado por um
conceituado “cineasta das mulheres”, Pedro Almodóvar.
Entre o humor “screwball” e o melodrama mais exacerbado,
é talvez a melhor obra do realizador espanhol, fusão
perfeita do tom provocatório e feérico dos tempos
iniciais de herói da “movida” madrilena com a
seriedade contemplativa da fase pós-”Kika”. Num
filme dedicado a actrizes – Bette Davis, Romy Schneider e
Gena Rowlands –, elas são espantosas, de Cecília
Roth a Marisa Paredes, passando por Antonia San Juan e Penélope
Cruz. E se esta sublime apologia dos “modelos alternativos”
à família tradicional (e pungente reflexão
sobre as diferentes formas de amar) significou a etapa decisiva
no processo de crescente amadurecimento (e apaziguamento) do cinema
de Almodóvar, marcou também o início da consagração
(adoração?) do realizador em Hollywood, com o Óscar
de melhor filme estrangeiro. Um cineasta provavelmente no pico da
sua forma, ao contrário do senhor que se segue, que já
conheceu melhores dias. Falamos de Wim Wenders, o eterno errante
alemão, que no mítico “Paris, Texas” (1984)
terá assinado uma das suas últimas obras de relevo
(ou seja, antes de ser assaltado pela apatia criativa que há
alguns anos teima em não o largar), aquela em que o fascínio
do realizador pelo imaginário iconográfico dos EUA
está melhor demonstrado. Escrito por Sam Shepard e Palma
de Ouro em Cannes, é um “road movie” (já
se sabe, género americano por excelência) melancólico
e um épico intimista, que a hipnótica música
de Ry Cooder e a deslumbrante fotografia de Robby Müller transformam
numa experiência inesquecível. Filme de culto, fica
como a hora de maior glória para o grande Harry Dean Stanton,
na figura de um amnésico em busca de si próprio e
da mulher (a luminosa Nastassja Kinski) e filho que abandonara quatro
anos antes.
Por fim, passamos de uma viagem europeia pela memória americana
à revisitação, versão fim de milénio,
do realismo britânico por um francês: “Intimidade”
(2000), de Patrice Chéreau. Numa cave de Londres, todas as
quartas-feiras à tarde, um homem e uma mulher encontram-se
para sexo anónimo e brutal. Adaptação de textos
do escritor londrino Hanif Kureishi, é uma invulgar “love
story”, elíptica e claustrofóbica, entre seres
desesperados, que aborda a complexidade do amor sem moralismos ou
clichés.
Urso de Ouro em Berlim e filmado num estilo directo e “documental”,
conta com interpretações intrépidas do prodigioso
par de protagonistas, a neozelandesa Kerry Fox e o inglês
Mark Rylance. O resultado é uma obra crua e polémica
(até pelo carácter gráfico das cenas de sexo),
cuja força emocional e intensidade dramática não
podem ser ignoradas.
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