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Opinião

O que quer fazer o país do século XXI com o seu sucesso

31.08.2010 - 03:42 Por Teresa de Sousa

1. O seu rosto está em toda a parte. O Monde quebrou um tabu de décadas para poder elegê-lo o homem do ano. As mais conceituadas revistas, da Newsweek à Economist rendem-se ao sucesso da boa potência emergente que ele encarna. Luís Inácio Lula da Silva é o símbolo de um Brasil que levanta voo.

Obama não o dispensa nas grandes negociações mundiais sobre a crise ou sobre o clima.

A selecta Chatham House de Londres atribui-lhe o seu Prémio 2009. Nicolas Sarkozy fez questão de entrar com ele em Copenhaga.

Está prestes a terminar o segundo mandato com uma popularidade imbatível por qualquer líder democrático: 80 por cento. O seu carisma é proverbial. A sua história é uma lição de vida na forma de conto de fadas. O que maravilha os analistas é que este sindicalista sem estudos vindo da esquerda operária tenha operado o milagre de manter sólidos os fundamentos da economia brasileira enquanto integrava 12 milhões de famílias pobres na classe média. Somese-lhe o petróleo do Tupi, o Mundial de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos do Rio e é fácil entender por que é que o Brasil é o país na moda. Há quem sorria da frase com que Lula começa quase todas as suas intervenções: "Nunca antes na história deste país..." O problema é que é rigorosamente verdade.

2. "O século XXI será o século do Brasil", garante Lula na entrevista ao El Mundo. A questão essencial é saber o que quer o Brasil fazer com o lugar que conquistou à mesa das grandes potências. A política externa de Lula ressuscita a tradição da velha escola "autónoma" do Itamaraty, escreve Maria Regina Soares de Lima, da Universidade do Rio de Janeiro. Assenta na forte afirmação dos interesses nacionais, na cooperação Sul-Sul e no desenvolvimento de pólos de poder regionais para mudar a ordem mundial num sentido de maior equilíbrio. Lula apostou na integração regional da América Latina. Estabeleceu alianças que lhe permitem aumentar o seu peso nas negociações e nos fóruns de poder mundial: com os BRIC (China, Rússia, Índia e Brasil); com a Índia e a África do Sul, as outras duas grandes democracias do Sul; com o G20 (o outro) à mesa das negociações de Doha. Politicamente, não esconde a ambição por um lugar permanente no Conselho de Segurança. O seu primeiro discurso na ONU foi para exigir maior democracia na repartição do poder mundial.

A sua diplomacia foi muito mais "reivindicativa" que a do predecessor Fernando Henrique Cardoso, mais preocupado em manter boas relações com os dois grandes poderes do Norte os EUA e a UE. Lula manteve uma relação estratégica com Washington mas desinteressou-se da UE. A sua ideia é dialogar com o Norte "de igual para igual" e não na velha posição de pedinte.

Está em posição de o fazer.

3. Há um reverso da medalha, que merece duras críticas internas e faz franzir sobrolhos em Washington. Pode resumir-se ao papel que a democracia tem na sua política externa. O problema não é tanto Hugo Chavéz. Em Brasília, a teoria que sempre vingou é que o Brasil acabaria por "metê-lo no bolso". São algumas amizades menos justificáveis.

"Quando o Presidente brasileiro saúda cordialmente o Presidente Ahmadinejad na ONU, defende o seu programa nuclear e o convida a visitar o Brasil, o mundo toma nota", escreve Mac Margolis na Newsweek. Internamente, os críticos dizem que se revelou a verdadeira natureza "ideológica" do Presidente.

Outros associam esta súbita "radicalização" à proximidade das eleições. Lula precisa de dar espaço à sua candidata, Dilma Rousseff, e mobilizar a esquerda contra José Serra. Haverá outra interpretação, que se prende com os efeitos da crise mundial e da nova paisagem política e económica. Como é que um operário metalúrgico que nasceu na pobreza nordestina vê a realidade mundial do Palácio do Planalto? Com olhos que não são os do Ocidente nem os da elite brasileira ocidentalizada. Quando Lula responsabilizou os "homens brancos de olhos azuis" pela crise, escandalizando muitos, estava a exprimir um sentimento profundo: que o credo americano sobre a melhor maneira de gerir a economia não era afinal infalível nem justificava tanta arrogância. A crise permitiu-lhe dizer abertamente algo que antes talvez não dissesse. Percebe-se, desde que o Brasil não se esqueça de que só é a coqueluche mundial porque é uma grande e sólida democracia.

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