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Opinião

O que fazer com tanto sucesso

31.08.2010 - 03:38 Por Teresa de Sousa

Que Deus é brasileiro já suspeitávamos. Que o Brasil vive, porventura, o seu melhor momento desde 1494 - sim, leu bem, não é engano -, não será ir longe de mais? Não é, escreve David Rothkopf, que pertenceu à administração Clinton, no seu blogue da Foreign Policy.

Para quem já não se lembre, a data refere a assinatura do Tratado de Tordesilhas que garantia a Portugal a parte do Novo Mundo a leste de uma certa "linha imaginária". Argumenta o autor que foi esse estranho acto fundador de repartição de um mundo desconhecido entre duas potências europeias que deu ao Brasil uma identidade cultural própria e distinta da restante América Latina e que permitiu, alguns séculos mais tarde, o prazer universal de escutar A Garota de Ipanema.

São muitas as razões que Rothkopf acrescenta a esta para sustentar a sua tese. Não é o único a referi-las. O Brasil está na moda. Quase sempre pelas melhores razões. O derradeiro impulso para a sua afirmação como a nova "potência simpática" foi dado pela crise económica mundial, ao acelerar a transferência de riqueza e de poder do velho mundo desenvolvido para "o resto". Só neste ano mágico de 2009, o Brasil garantiu um lugar no G20, o novo governo informal do mundo. Foi um dos países que sofreram menos com a recessão e um dos primeiros a sair dela. Passou de devedor a credor do FMI e nada terá dado tanto orgulho a Lula da Silva. Ganhou para o Rio de Janeiro a organização dos Jogos Olímpicos de 2016 e já tinha garantido o Mundial de futebol de 2014. Continuou a descobrir gigantescas reservas de petróleo ao largo da sua costa, fazendo Hugo Chávez roer-se de inveja. O seu sucesso deve-se em boa medida ao homem carismático que conseguiu o feito histórico de ser aclamado em Davos e em Porto Alegre. Que é o líder preferido de Barack Obama e o líder mundial em que os países mais pobres do mundo se revêem.

Que o Brasil é o país que "vale a pena observar", como escrevia o Financial Times, ninguém tem dúvida. Que a sua influência crescente na cena internacional pesa fundamentalmente para o lado do bem, também não. A questão que fica é outra: estará o Brasil inebriado com o seu próprio sucesso? Ambicionará para si um lugar e um papel para o qual não tem (ainda) os recursos nem os instrumentos? Enganar-se-á de aliados na sua demanda de um mundo mais justo e mais equilibrado? O debate é intenso dentro da elite brasileira. E é relevante.

Há um ano, em Paris, quatro dias antes das eleições americanas que Barack Obama venceu, os participantes na conferência anual do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia haveriam de ficar de boca aberta ao escutar, de um diplomata brasileiro, a mais inesperada e desconcertante das afirmações. Para o Brasil, disse ele, é indiferente que ganhe Obama ou McCain. A América já não é importante para nós. O espanto não resultou tanto do conteúdo político da sua afirmação, embora Marcel Biato tivesse dedicado a sua intervenção à defesa do multilateralismo.

O que surpreendeu foi a ousadia. Ou seria mais exacto dizer a arrogância? Alguns meses depois, quando recebia o primeiro-ministro britânico Gordon Brown no Palácio do Planalto para preparar a cimeira do G20 em Londres, o Presidente Lula provocaria uma nova onda de choque, desta vez de impacte global, quando responsabilizou "os homens brancos e de olhos azuis" pela crise mundial. Mais uma vez, foi a forma e não o conteúdo da sua afirmação que fez erguer sobrolhos. Excesso de ambição? Excesso de ideologia? Recaída "terceiro-mundista"? Talvez não.

O Brasil que hoje conhecemos não é apenas o país de Lula da Silva. Deve-se à circunstância excepcional de ter tido, nos últimos 15 anos, dois Presidentes de envergadura mundial que repartiram entre si a tarefa de fazer dele uma grande democracia, política e economicamente madura, que merece hoje o respeito internacional. O que Lula da Silva trouxe de novo na relação do Brasil com o mundo deve-se, porventura, mais à mudança de estilo e de circunstâncias do que à alteração de políticas.

Fernando Henrique Cardoso privilegiou a relação com o centro do sistema internacional (EUA e UE) e a integração da América do Sul a partir do Mercosul. Governou na era Clinton e viveu apenas o primeiro impacte do 11 de Setembro.

Lula adoptou uma política externa mais ofensiva e passou a exigir com maior fi rmeza uma ordem internacional menos dominada pelos ricos. Quis assumir uma posição de liderança mais forte na América do Sul (mesmo que com alguns notórios desaires) e não hesitou em encontrar no Sul, entre as outras potências emergentes, os parceiros de que necessita para negociar numa base de maior igualdade com o Norte. Mas nunca rompeu com Washington. Governou no auge do unilateralismo americano mas também no período de enfraquecimento da liderança da América que se lhe seguiu.

Excesso de arrogância? Talvez seja tudo uma questão de perspectiva. Olhar de lá é diferente de olhar de cá. Mas vai passar a ter de ser assim.

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