In
PÚBLICO de 27 de Maio de 2002
Entrevista com José Saramago
"Escrevi o romance para resolver
o choque
entre uma admiração e uma rejeição
sem limites"
Por Adelino
Gomes
O livro está editado em 22 países.
Em Portugal, vendeu quase 100 mil exemplares. Para muitos
leitores, é o melhor romance de José Saramago.
O autor acha que com ele tocou "o tecto". E chegou
a Pilar, a jornalista espanhola, hoje sua mulher. Com o
PÚBLICO, chegaram hoje às bancas mais 90 mil
exemplares, no segundo livro da colecção Mil
Folhas, vendido juntamente com o jornal a 5 euros.
José Saramago, 79 anos, acabara
de regressar a casa, na ilha de Lanzarote, após mais
uma das longas viagens e respectivo cortejo de compromissos
que a concessão do Nobel só veio aumentar. As
datas das próximas passagens por Portugal não
coincidem com os prazos editoriais. Na impossibilidade de
uma entrevista frente a frente, combina-se uma sessão
de perguntas e respostas via Internet. Com direito a "repique",
por parte do entrevistador. O tema é o livro que hoje
o PÚBLICO distribui aos seus leitores. Mas Saramago
aceita uma digressão pela polémica israelo-palestiniana,
em que se envolveu após ter invocado Auschwitz quando
se encontrava em Ramallah.
Contou, em mais do que uma ocasião, que o título
"O Ano da Morte de Ricardo Reis" lhe surgiu num
hotel, em Berlim. Pode especificar?
Passaram mais de 20 anos, não recordo o nome do hotel,
se alguma vez o fixei. E não se tratou de um congresso,
mas de um grupo viajante, daqueles que a Associação
de Amizade Portugal-RDA organizava. Calhou-me ser o "porta-voz"
da delegação, o que significou ter a meu cargo
os discursos de agradecimento em todos os lugares e instituições
que visitámos. Foi no final de um desses dias que a
"coisa" aconteceu. Tinha visto em Lisboa um filme
("Anno Domini" não sei quantos, não
recordo o nome do realizador) e, não sei porquê,
ele veio-me à memória quando entrei no quarto
do hotel. Sentei-me na cama para descansar um pouco, deixei-me
cair para trás e, nesse momento, "caíram-me"
do tecto as palavras "O Ano da Morte de Ricardo Reis".
Tinha publicado poucos meses antes "Levantado do Chão"
e esta era a primeira ideia que me surgia para um novo livro.
A ideia do "Memorial do Convento" veio depois. Se
me perguntarem porque não os escrevi pela ordem de
"nascimento", direi que me assustou o que os "pessoanos"
iriam dizer da presunção deste adventício.
O "Memorial" deu-me forças e confiança
para arrostar depois com aquele Adamastor...
É verdade que lhe acontece
muitas vezes ter o título antes de escrever uma única
palavra do livro?
Quase sempre. O Memorial esteve para chamar-se simplesmente
"O Convento", mas como Agustina Bessa-Luís
tinha publicado "O Mosteiro", achei que devia arredondar
o título para não parecer que andava a inspirar-me
em títulos alheios. Quanto a romances que começaram
pelo título, são eles, por exemplo, "Levantado
do Chão", "História do Cerco de Lisboa",
"O Evangelho segundo Jesus Cristo", "Ensaio
sobre a Cegueira", "Todos os Nomes", "A
Caverna" e este em que estou a trabalhar, "O Homem
Duplicado".
Mas para aparecer um título
deve haver antes uma ideia geral para a qual ele remete. Por
exemplo, "Todos os Nomes" tem relação
com uma busca de dados que andava a fazer sobre o seu irmão
Francisco de Sousa, morto aos dois anos.
Alguns títulos, de facto,
propõem imediatamente o que chama "uma ideia geral"
da história. Não é, porém, o caso
de "Todos os Nomes", que me apareceu num avião
que me levava a Brasília. Já íamos a
pouca altura, eu olhava a paisagem lá em baixo e de
repente saltaram-me dentro da cabeça aquelas três
palavras. Perguntei a mim mesmo que diabo quereria aquilo
dizer e pensei que, tendo escrito um romance - "Ensaio
sobre a Cegueira" - em que nenhuma personagem tem nome,
poderia agora tentar outro em que apareceriam "todos
os nomes". Uma espécie de contraponto. A ligação
à busca de dados sobre o meu irmão Francisco
em que andava empenhado deu-se algum tempo depois. Estava
em Amherst, no estado norte-americano de Massachusetts, hospedado
em casa do professor José Ornelas, e foi aí
que se me desenhou na mente a história do funcionário
do Registo Civil.
E quanto a "O Ano da Morte de
Ricardo Reis"? Andava às voltas com Pessoa?
Directamente, não andava às voltas com o Fernando
Pessoa, mas todos nos lembramos que por aqueles anos (cinquentenário
da morte, centenário do nascimento) era o Pessoa que
andava às voltas connosco...
Começou a escrever o livro
logo a seguir? Quanto tempo lhe levou? Esse tempo foi superior
ou inferior ao normal?
O Ricardo Reis teve de aguardar na fila que eu me livrasse
do "Memorial", sobrou-lhe portanto a espera para
chegar maduro ao momento de principiar a ser escrito. Creio
que o trabalho de escrita não me ocupou mais de nove
meses. Aliás, é esse, pouco mais ou menos, o
tempo de que necessito para pôr um romance em pé.
Como concilia as exigências
da editora (e dos leitores) com os eventuais caprichos da
inspiração?
A minha relação com
a Editorial Caminho não é desse tipo. Eles respeitam
o meu trabalho, eu respeito o trabalho deles. Os prazos fixo-os
eu a mim mesmo, não eles. E se alguma vez me atrasei
na entrega de um original, foram bastante compreensivos para
aceitar sem reserva as razões por que isso tivesse
sucedido. Quanto aos leitores, não têm eles mais
remédio que esperar pacientemente. Ou impacientemente,
o que será melhor ainda...
Qual foi o livro que lhe levou mais
tempo a escrever?
Talvez "História do Cerco de Lisboa".
E o de mais rápida elaboração?
"A Caverna".
Lembra-se do seu primeiro contacto
com o heterónimo de Fernando Pessoa Ricardo Reis?
Conheci Ricardo Reis por altura
dos meus 17 ou 18 anos. Na Escola Industrial de Afonso Domingues,
que frequentava, havia uma biblioteca, e foi aí que
se me deparou um exemplar da revista "Athena" em
que apareciam umas quantas odes assinadas com aquele nome.
Dizer que fiquei deslumbrado é pouco, tinha diante
de mim a beleza em estado puro. Nessa altura, pensei que Ricardo
Reis era uma pessoa real, não sabia nada dos heterónimos
e pouquíssimo do próprio Pessoa.
Um espectador da vida, Ricardo Reis
é, talvez de todos, o heterónimo com o qual
José Saramago se identificará menos. Porquê
então este privilégio que lhe concede ao fazê-lo
"herói" do seu livro?
Quando mais tarde avancei no conhecimento de toda aquela "gente"
- foi muito importante para mim a antologia organizada por
Adolfo Casais Monteiro, cuja segunda edição,
a que tenho, saiu em 1945 - e sobretudo comecei a penetrar
mais profundamente no espírito do Reis, achei-me diante
de algo que quase por instinto rechaçava, aquela sua
ideia de que a sabedoria consiste em contentar-se cada um
com o espectáculo do mundo... Pensava já então,
e continuo a pensá-lo, que se a alguém o espectáculo
do mundo contenta, ao menos que tenha a decência de
não chamar sabedoria a essa atitude. Direi que "O
Ano da Morte de Ricardo Reis" foi precisamente escrito
para mostrar a Ricardo Reis o espectáculo do mundo
(de Portugal também) e perguntar-lhe se continuava
a considerar sabedoria a mera contemplação dele...
Foi portanto para resolver o choque entre uma admiração
sem limites e uma rejeição sem limites que escrevi
o romance.
O próprio Fernando Pessoa pode
dizer-se que esteve nos antípodas daquilo que José
Saramago defende. Tanto no seu percurso pessoal como nas intervenções
que ele foi fazendo na vida cultural e política do
país. A sua admiração por Pessoa faz
esse "distinguo"?
Todos sabemos que Fernando Pessoa dá para tudo. Se
quisermos viver em paz com ele, teremos de o aceitar como
foram. Mas realmente é difícil suportar com
serenidade certas afirmações suas, como aquela
de que a escravatura, afinal, não era um sistema assim
tão mau...
Já agora, o mesmo quanto ao
Padre António Vieira, cultor da língua, defensor
dos índios e visionário do Quinto Império?
Provavelmente, para o Padre António Vieira, as visões
de um Quinto Império não passaram de uma manha
política (digo "manha" no melhor sentido
da palavra), hoje sem particular significado, salvo para alguns
"iluminados" que ainda imaginem por aí grandiosos
futuros para Portugal. Quanto ao Quinto Império pessoano,
esse era puro teatro. Não se vê que diabo de
espiritualidade "futurante" poderia ter ele encontrado
na modorrenta Lisboa dos anos 30...
Da sua lista de autores preferidos,
constam outros escritores em que o fascínio pela obra
literária não acompanhe a admiração
pela pessoa? Pode especificar?
Falando de autores portugueses, confesso que não consigo
ler aqueles a quem ao mesmo tempo não estime e respeite
como pessoas. Sou menos exigente se se trata de autores estrangeiros.
Tem consciência de que esse
é o "drama" de numerosos fãs da sua
obra, que não o acompanham nas suas opções
políticas e a quem nalguns casos essas opções
repugnam até?
Se me lêem apesar de as minhas opções
políticas lhes repugnarem (outra coisa seria se lhes
repugnasse a pessoa que as tem), então o "drama"
não é assim tão grande...
Alguma vez pensou em moderar a sua
militância no terreno, de forma a alargar ainda mais
a base de apoio literário de que goza no mundo, sobretudo
a partir do Prémio Nobel?
A minha base de apoio literário nasceu simplesmente
daquilo que escrevo, não de uma estratégia de
autor ou de uma dosagem de ingredientes narrativos supostamente
"abrangentes", para usar um termo do calão
político. Moderar aquilo a que chama "a minha
militância no terreno" para alargar ainda mais
a dita base de apoio seria um cálculo indigno. Quem
me quiser, terá de aceitar-me tal qual sou. Quanto
aos outros, que vivam tão bem sem mim como eu vivo
sem eles.
Disse uma vez numa entrevista: "Eu
estou nos meus livros." Como explica que numerosos leitores
(como se viu agora em Israel) adiram aos seus livros entusiasticamente
mas reajam tão fortemente a posições
políticas públicas suas?
Alguns críticos literários de Israel disseram
que eu escrevi "Ensaio sobre a Cegueira" pensando
no Holocausto e era voz corrente que um dos meus livros, suponho
que o mesmo, havia sido lá escrito... Nada disto era
verdade, simplesmente era o lado imaginário de uma
relação privilegiada entre leitores e autor
que se estabeleceu em Israel e que nunca alimentei de caso
pensado. De certa maneira, consideravam-me um deles. Mesmo
que para isso tivessem de saltar por cima de alguma interpelação
minha, como aquela que sobre o conflito israelo-palestino
se pode ler no "Evangelho segundo Jesus Cristo"
(pp. 210-211 da edição portuguesa) e cuja parte
final aqui deixo: "Agora vais dizer-me, segundo o que
te aconselhem as tuas luzes, se, chegando nós um dia
a ser poderosos, permitirá o Senhor que oprimamos os
estrangeiros que o mesmo Senhor mandou amar, Israel não
poderá querer senão o que o Senhor quer, e o
Senhor, porque escolheu este povo, quererá tudo quanto
for bom para Israel, Mesmo que seja não amar a quem
se devia, Sim, se essa for, finalmente, a sua vontade, De
Israel ou do Senhor, De ambos, porque são um, Não
violarás o direito do estrangeiro, palavra do Senhor,
Quando o estrangeiro o tiver e lho reconheçamos, disse
o escriba." Nestas últimas palavras ("lho
reconheçamos") está o nó da questão:
Israel não reconhece o direito dos palestinos a viverem
na sua própria terra, mas os judeus que leram aquilo
fizeram de conta que não era nada com eles...
Acha que a sua opinião sobre
a situação palestiniana vale a perda de milhares
de leitores israelitas dos seus livros?
Ai de mim se quando vou dizer ou escrever alguma coisa começasse
por pensar se com isso irei vender mais ou vender menos livros...
Em Março venderam-se em Israel 3000 exemplares de "Todos
os Nomes", em Abril, depois das minhas declarações
em Ramallah, apenas 280. A conclusão é fácil:
2720 leitores andavam equivocados a meu respeito, 280 sabiam
quem eu era. Estes são os que me importam.
Não o impressiona o argumento
daqueles que lembraram que os seus leitores se encontram em
Israel e não na Palestina?
É um argumento estúpido e mesquinho, que denuncia
uma mentalidade de avaro. A Israel não falta dinheiro
para comprar livros, mas eu não me vendo a quem compre
os meus, seja quem for e onde quer que esteja. Em todo o caso,
que não se preocupem, estou traduzido ao árabe
e alguns dos livros que escrevi circularão certamente
na Palestina. É mesmo muito possível que um
exemplar desses se encontre soterrado sob os escombros de
Jenin...
Já agora, tendo em conta o
seu recente artigo "Das pedras de David aos tanques de
Golias" (na imprensa internacional e no PÚBLICO
de 03-05-02): reconhece que foi excessiva a comparação
histórica que fez com a situação que
prevalecia em Ramallah durante o cerco israelita?
O meu artigo não retira nada às declarações
que fiz em Ramallah. É simplesmente outra visão
do problema. Se a denominada comunicação social
estivesse interessada em divulgar com verdade o que eu disse
na Palestina, teria de informar que não comparei os
factos de Ramallah aos factos de Auschwitz, mas sim o espírito
de Auschwitz ao espírito de Ramallah... Já era
então patente a qualquer pessoa a quem a prudência
não fizesse fechar os olhos. Não sendo a prudência
uma das minhas virtudes, limitei-me a antecipar o que o exército
israelita (esse que um grande intelectual judeu, o prof. Leibowitz,
no princípio dos anos 90, classificou como judeo-nazi)
não fez depois mais que confirmar. E se ainda há
por aí quem tenha dúvidas, que consulte o "plano
de paz" que Sharon levou a Bush para aprovação.
Nele se contempla o reconhecimento de um Estado palestino
sem capacidade militar e com o território reduzido,
em que se criarão zonas de segurança para separar
fisicamente israelitas e palestinos. O "plano" prevê
um acantonamento permanente de tropas nos territórios
palestinos, grades, vedações electrificadas
e portas de acesso, como as que actualmente separam Gaza de
Israel. Não é preciso ser um lince de inteligência
para perceber que a aplicação de um tal "plano
de paz" transformará definitivamente o chamado
território palestino num enorme campo de concentração...
Voltando ao livro. Que métodos
seguiu para reconstituir o ambiente de Lisboa naquele período
(segunda metade dos anos 30), para além da consulta
de jornais da época, abundantemente citados? Foi aos
locais para melhor os descrever (Hotel Bragança, Cemitério
dos Prazeres, etc.)?
Apesar de ter apenas 13 anos
em 1936, a minha lembrança do ambiente geral da cidade
naquela época mantém-se bastante viva. Essa
lembrança foi o pano de fundo de que me servi para
fazer representar as minhas personagens. Mas, tal como refere,
a substância dos factos colhi-a nos jornais, principalmente
"O Século", pelas características
populares que sempre o distinguiram: enquanto o "Diário
de Notícias" afirmava ser o jornal de maior tiragem,
"O Século" desforrava-se dizendo ser o de
maior circulação... Não só visitei
o Hotel Bragança, na Rua do Alecrim, como escolhi o
quarto - o 201 - em que iria alojar-se Ricardo Reis. Aos Prazeres
fui também, claro. O resto teve de resolvê-lo
a imaginação.
E quanto às personagens? Por
exemplo as duas mulheres, Lídia e Marcenda, sendo figuras
literárias [das "Odes" de Ricardo Reis],
onde foi buscar o corpo e os tiques que lhes deu?
Marcenda não é uma "personagem literária"
de Reis, não é sequer um nome feminino com presença
nos vocabulários onomásticos. A palavra aparece
na ode "Saudoso já deste Verão que vejo"
designando uma rosa emurchecida. Achei que estava a carácter
com a "minha" personagem. Quanto a Lídia,
uma vez que me tinha proposto mostrar a Ricardo Reis o espectáculo
do mundo, pensei que seria uma boa partida dar a uma criada
de hotel o nome de uma das suas quase incorpóreas musas...
O lançamento deste livro pelo
PÚBLICO vai fazê-lo chegar a muita gente que
de outra forma não o leria. Tendo em conta que entre
os seus novos leitores se deverão encontrar muitos
estudantes, que leituras lhes aconselharia a fazer para melhor
compreenderem a história?
A leitura que eu próprio
fiz, a da imprensa da época. Aprende-se muito a ler
jornais 50 anos depois de terem sido publicados...
Foram vários os prémios
atribuídos a "O Ano da Morte...". Qual a
importância de que se revestiu, para si e para a sua
"carreira", ter sido o Prémio de Ficção
Estrangeira do diário britânico "The Independent",
num ano, 1992, em que concorriam, entre outros, livros de
Gunter Grass e de Ismail Kandaré?
É fácil de imaginar se se souber que eu trabalhava
nos Estúdios Cor quando esta editora, no princípio
dos anos 60, publicou "O Tambor" de Gunter Grass.
A publicação de "Terra do Pecado",
em 1947, não tinha feito de mim um escritor, e "Os
Poemas Possíveis" só seriam publicados
em 1966. Literariamente, portanto, não existia. Ganhei
em 1990 o prémio de "The Independent" em
competição com Grass e, como se isto não
fosse bastante, dão-me o Nobel antes de o darem a ele.
É caso para dizer que não há justiça
neste mundo...
Refere-se muitas vezes, nos "Cadernos
de Lanzarote", à grande quantidade de leitores
que tomam a iniciativa de lhe escrever ou de o interpelar
de viva voz sobre os livros que escreve. Qual o lugar de "O
Ano da Morte de Ricardo Reis" nas preferências
confessadas dos seus leitores?
Não faltam leitores que consideram ser "O Ano
da Morte de Ricardo Reis" o meu melhor romance, mas não
se me peça que concorde com eles, uma vez que iria
contrariar aqueles outros leitores que, por razões
não menos pertinentes, defendem outras preferências.
Qual o lugar dele na sua lista pessoal
da obra escrita até agora? Porquê?
Apenas direi que nada poderia consolar-me se por alguma arte
diabólica o "Ricardo Reis" desaparecesse
da minha bibliografia. Não sei se é ele o melhor
dos que escrevi, mas sei que pelo menos dessa vez toquei o
tecto. E toquei algo mais, se se me permite uma nota pessoal:
foi "O Ano da Morte de Ricardo Reis" que nos juntou.
Refiro-me a Pilar, claro está...
Frases
Sentei-me na cama para descansar um
pouco, deixei-me cair para trás e, nesse momento,
"caíram-me" do tecto as palavras "O
Ano da Morte de Ricardo Reis".
A ideia do "Memorial do Convento"
veio depois. Se me perguntarem porque não os escrevi
pela ordem de "nascimento", direi que me assustou
o que os "pessoanos" iriam dizer da presunção
deste adventício. O "Memorial" deu-me forças
e confiança para arrostar depois com aquele Adamastor...
Na Escola Industrial de Afonso Domingues,
que frequentava, havia uma biblioteca, e foi aí que
se me deparou um exemplar da revista "Athena"
em que apareciam umas quantas odes assinadas com aquele
nome. Dizer que fiquei deslumbrado é pouco, tinha
diante de mim a beleza em estado puro.
"O Ano da Morte de Ricardo Reis"
foi precisamente escrito para mostrar a Ricardo Reis o espectáculo
do mundo (de Portugal também) e perguntar-lhe se
continuava a considerar sabedoria a mera contemplação
dele...
Fernando Pessoa dá para tudo.
Se quisermos viver em paz com ele, teremos de o aceitar
como foram.
Em Março venderam-se em Israel
3000 exemplares de "Todos os Nomes", em Abril,
depois das minhas declarações em Ramallah,
apenas 280. A conclusão é fácil: 2720
leitores andavam equivocados a meu respeito, 280 sabiam
quem eu era. Estes são os que me importam.
(...) Não se preocupem, estou
traduzido ao árabe e alguns dos livros que escrevi
circularão certamente na Palestina. É mesmo
muito possível que um exemplar desses se encontre
soterrado sob os escombros de Jenin...
Se a denominada comunicação
social estivesse interessada em divulgar com verdade o que
eu disse na Palestina, teria de informar que não
comparei os factos de Ramallah aos factos de Auschwitz,
mas sim o espírito de Auschwitz ao espírito
de Ramallah... Já era então patente a qualquer
pessoa a quem a prudência não fizesse fechar
os olhos. Não sendo a prudência uma das minhas
virtudes, limitei-me a antecipar o que o exército
israelita (esse que um grande intelectual judeu, o prof.
Leibowitz, no princípio dos anos 90, classificou
como judeo-nazi) não fez depois mais que confirmar.
Não sei se ["O Ano da Morte
de Ricardo Reis"] é o melhor dos que escrevi,
mas sei que pelo menos dessa vez toquei o tecto.
|