Um Ano na Crise

Família Almeida

"O desemprego é a profissão mais dura que há"

Por Ana Cristina Pereira
Fernando Veludo/NFACTOS

Não lhe digam que nasceu a 21 de Março por acaso. "Olha-se para mim e vê-se logo que sou uma mulher de Primavera!" Não tem grandes razões para semear alegrias. Está desempregada há mais de dois anos e estar desempregado há mais de dois anos não é só não ter dinheiro para comprar um livro ou um bilhete de cinema. "É gastar sola" à procura do mais barato.

Entra num supermercado ou num hipermercado e até parece uma inspectora. Desconfia das promoções. Compara preço, qualidade, quantidade, data. Tudo a correr, não vá ficar com fome e ceder à tentação de comprar o que não precisa.

Está desempregada desde 6 de Novembro de 2008. Desde esse dia, uma procura firme, quase obstinada. Pelo meio, esperanças vãs. Entre Dezembro de 2008 e Novembro de 2009, fez um programa ocupacional na Administração Regional de Saúde do Norte. E entre Fevereiro e Junho de 2010, uma formação em gestão. "Sou boa gestora. Se não fosse, não conseguia sobreviver!"

Nunca levantou o subsídio perto de casa. Prefere evitar os olhares (recriminadores?) da vizinhança. Por todo o lado ouve culpar os desempregados pela crise, pela falência do Estado social. Já ouviu um familiar dizer: "Qualquer dia, Auschwitz! Matam-se os velhotes, os doentes, os desempregados!".

Orgulha-se do seu percurso. Fez duas vezes o secundário e construiu uma carreira de escriturária. Fala inglês, francês, alemão. E nunca virou costas à informática. Trata os computadores por tu. "Tive sempre a noção de que tinha de fazer formação." Qual é o seu obstáculo? Está prestes a completar 49 anos.

Tratam-na como se fosse velha. Tantas vezes chega às entrevistas e sente-se olhada de lado. "Não sou velha! Sou uma jovem num corpo envelhecido." Até lhe parece pecado desperdiçar experiência. E o que são 49 anos num país com uma esperança média de vida feminina de 81?

O contexto não favorece. A crise dói mais no Norte, a braços com a desindustrialização. A taxa de desemprego regional bateu um máximo histórico no terceiro trimestre de 2010: 13,2 por cento, contra os 10,9 da média nacional. E o agravamento do desemprego afecta sobretudo as mulheres.

Manuela ouve as notícias. E lê-as nas idas ao hipermercado e à biblioteca. Não cruza os braços. Recusa-se a cruzar os braços. Como a procura de emprego se arrasta, parece que assumiu uma nova profissão: "A profissão de desempregada". É que procurar emprego dá trabalho, muito trabalho. Manuela levanta-se cedo. Para manter o hábito, para ver os anúncios, ir atrás deles. "Não há tantos como se pensa." E os que há, amiúde, desiludem. "O desemprego é a profissão mais dura que há."

Passa dias e dias com a cabeça a martelar - a correr atrás de uma vaga ou na expectativa de aparecer uma. "As pessoas pensam que os desempregados são uns totós que querem é estar de papo para o ar: "Não fazem nenhum, querem é estar no café." Os desempregados também têm direito a estar com os amigos!" Falarem-lhe em desemprego como férias é ofendê-la. "Quem quiser que experimente. Duas semanas, pelo menos. Uma não chega."