Um Ano na Crise

Família Almeida

"Não vou baixar os braços. Se baixo os braços, não consigo nada"

Por Ana Cristina Pereira
Paulo Pimenta

Já não vai ao centro de emprego todos os dias à procura de propostas que lhe sirvam. Há duas semanas, a filha mais velha de Manuela Almeida ofereceu-lhe uma ligação à Internet. E ela agora poupa tempo, poupa sola de sapato. "Vejo [as ofertas de emprego] à noite e vejo de manhã."

Esta é a maior alteração dos últimos meses na vida daquela mulher desempregada, divorciada, que vive com uma filha que acabou a formação profissional há pouco. Tirando isso, "vira o disco e toca o mesmo". "Já perdi a conta ao número de currículos que mandei. Não me chamam." Querem curso superior e idade inferior a 35 e ela tem o secundário e já completou 49.

Num destes dias, quis partilhar o que acabara de encontrar entre as 11 ofertas do Porto no site do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). "Tenho o hábito de pesquisar as ofertas de emprego mesmo que digam cozinheiro ou padeiro. Gosto de estar actualizada, saber o que se procura, por quanto, etc. Hoje vi uma que me pôs a rir: "Empregada doméstica - particulares/40 horas semanais -, regime interno, com conhecimentos de Espanhol - falado e escrito - tarefas domésticas, cozinhar, cuidar de 2 idosos, dar banho e alimentar um deles/485 euros.""

Dias depois, ainda remoía aquilo, como quem remói uma ofensa: "Se é interna, de certeza que não trabalha só 40 horas. Não estou a ver o idoso a cair e a interna a dizer: "Não o levanto. Agora, só amanhã. Hoje, já passa da minha hora"".

Os tempos não estão bons para encontrar emprego. As ofertas desta semana são as ofertas da semana passada. "Às vezes, ficam em aberto depois de preenchidas. Os empregadores não as anulam nem informam o IEFP." Tantas vezes Manuela foi "buscar o papel ao centro de emprego em vão". Tantas vezes Manuela telefonou mal cruzou a porta número 212 da Rua de Guedes de Azevedo, em plena Baixa do Porto, e a vaga já estava preenchida.

Há nela uma referência recorrente: "Corro contra uma parede de aço". A "parede de aço" é o desemprego que ela acredita que há-de ultrapassar, por mais espessa, por mais alta que possa parecer. "Se não acredito nisso, o que sou? Não existo! Alguma coisa vai ter de aparecer."

O emprego - o oficio - define muito o que cada um é. Manuela cumpriu um percurso profissional como administrativa, mas já fez outras coisas. "Nem sempre o que fazemos revela o que somos capazes de fazer, mas é importante, é uma forma de pôr pão na mesa."

É como se quem está arredado do mercado de trabalho fosse menos do que os outros. Manuela sente-o. E bate-se contra esse sentimento. "As pessoas vão muito abaixo ao perder o emprego. Sentem aquela derrocada. E agora? Tenho de analisar as coisas de forma positiva. O desemprego existe. A crise existe. A culpa não é minha. Pode acontecer a qualquer pessoa. Não posso entrar em negativismos. Não vou baixar os braços. Se baixo os braços, não consigo nada."

Define-se como "uma sobrevivente". "Todos os dias tenho de lidar com a incógnita, com o não haver, o não existir." E encontra na música uma forma de não enlouquecer. Precisa de ouvir, de tocar. O órgão que tem lá em casa está avariado. Pega nas pautas e toca no teclado mudo, imagina as notas, a música. A música eleva-a. "É aquele momento em que sentimos que somos seres humanos. Não deixamos de ter alegrias, tristezas."

Os dias de Manuela não estão cheios de nada. Redescobriu o croché. Entretém-se a inventar e a reinventar modelos de marcadores de livros. Das suas mãos saem peças criativas, de cores diversas. E alegra-se com esta coisa nova que é ter um computador que funciona e uma ligação à Internet - ao mundo.