A magia de um bailado

Começou por chamar a atenção no género da opereta, mas o grande trunfo artístico deste músico de “natureza expansiva e sanguínea” foi o “ballet” fascinante e sofisiticado de “Coppélia” e “Sylvia”

Viveu numa época de ruptura onde os desejos de mudança artística nem sempre eram fáceis de concretizar. Clement Philibert Léo Delibes (1836-1891) sentiu, mesmo assim, a época de ouro da grande ópera francesa, a frivolidade do meio teatral e o florescimento do “ballet” gracioso. Apesar do talento musical desmedido e da aparente boa disposição que revelava nos eventos sociais, nunca escondeu o descontentamento por ser incapaz de alcançar a “obra perfeita”, um conceito abstracto que, mesmo assim, o fez minimizar os seus trabalhos de prestígio. A sua música estava fora do seu tempo: não seguiu o arrebatamento do romantismo militante – presente em Berlioz, Gounod, Saint-Saens ou Offenbach – nem revelou a capacidade de se desprender totalmente deste movimento.

Nascido na pequena aldeia de Saint-Germain- du-Val, mudou-se ainda em criança para Paris. A mãe inscreveu-o no conservatório da capital e Delibes acabaria ainda por entrar para o coro da Ópera de Paris. Depois de estudar harmonia, piano, órgão e composição, deu aulas de música e foi nomeado organista de S. Pierre de Chaillot e acompanhante de piano no Teatro Lírico. Para o pequeno teatro Folies Nouvelles, estreou-se na composição de música para farsa com “Dois Cêntimos de Carvão” (1856), uma opereta bem sucedida junto do público. Neste género, ao qual se dedicou durante 14 anos, títulos como “A Tortilha” (1859), “Os Músicos da Orquestra” (1861) “O Jardineiro e o Seu Amo” (1863) e “A Serpente de Penas” (1964) granjearam-lhe reputação.

A insatisfação pessoal com a sua obra levou Delibes a tentar destruir, sem êxito, estes primeiros trabalhos por considerar pertencerem a um género menor. Ao ser nomeado segundo chefe dos coros da Ópera de Paris, iniciou-se nas composições graciosas, sendo “Coppélia”(1870), baseada no conto do escritor alemão E. T. A. Hoffman, “Sílvia” (1876) e a ópera “Lakmé” (1883) as suas obras mais mediáticas. O encanto da música sinfónica, o fascínio pelo bailado e a pantomima foram os trunfos artísticos de um músico de “natureza expansiva e sanguínea”, como foi caracterizado pela publicação “Revue de Deux-Mondes”, em 1890.

Graciosidade musical A primeira composição de Delibes presente no disco da Royal Philharmonic Orchestra é a suite para orquestra do bailado “Sylvia”, também conhecida por “A Ninfa de Diana”. Baseada na obra “Aminta”, do célebre poeta italiano Tasso, “Sylvia” não esconde as suas influências na mitologia grega: narra a paixão de Aminto, um pastor simples e belo, pela caçadora celibatária Sílvia. Consta que o compositor russo Tchaikovsky, depois de assistir a uma representação deste “ballet” sofisticado, considerou-o superior à sua conhecida obra “O Lago dos Cisnes”. Seguem-se o “Dueto das Flores” e “Ária das Campainhas” da ópera exótica “Lakmé” (composta por Delibes a partir de um libreto de E. Godinet e P. Gille) e a comédia musical “O Rei Disse”.

A última obra presente no disco da Royal Philharmonic é a suite para orquestra de “Coppélia”, obra em que Delibes revela um sólido equilíbrio entre o teatro e a dança pura. Neste bailado em dois actos, o interesse de Franz, que está noivo de Swanilda, por Coppélia vai gerar uma série de intrigas divertidas e românticas. Coppélia é, afinal, uma boneca mecânica que o Dr. Coppelius, um velho fabricante de bonecos, deseja que ganhe vida. Quando se estreou na Ópera de Paris, o espectáculo surpreendeu pela introdução de valsas, “mazurkas” e “czardas” como os géneros de dança indicados para suportar a acção dramática.

Atormentado pelo ideal de “grande arte”, Léo Delibes lamentou nunca ter escrito um grande drama lírico. A obra de Richard Wagner era perturbante para um compositor que, quando foi convidado, em 1881, para ser professor de composição no Conservatório de Paris, temeu não estar à altura das exigências do cargo. A devoção levou-o a superar os receios e acabou por se revelar um excelente docente. ¦

Obras seleccionadas

1- “Sylvia” – Suite de bailado para orquestra
2- “Lakmé”
3- “Le Roi S'Amuse”
4- “Coppélia – Suite de bailado para orquestra

 

 

PRÓXIMO COMPOSITOR

Frédéric Chopin

Se existe uma fi gura da música que sintetiza todas as virtudes do romantismo (e também alguns dos seus defeitos) é Frédéric Chopin. Grande pianista e compositor, era um polaco exilado, admirador de Beethoven, Bach e Franz Liszt. Teve uma vida curta — morreu aos 39 anos, vítima de tuberculose —, mas deixou um vasto legado de obras, destacando-se as valsas, “polonaises” e “mazurkas”. Bem recebido pela crítica, é considerado um “herdeiro directo” da forma de tocar piano que se intuía em Haydn, se manifestava em Mozart e nas últimas produções para piano de Beethoven. O mestre húngaro Liszt descreveu assim a chegada de Chopin a Paris: “Deu vários concertos e foi muito admirado tanto pela alta sociedade como pelos jovens artistas (...) os aplausos ensurdecedores que recebeu pareciam insufi cientes para aplacar o entusiasmo.” Mais tarde, acrescentou: “ Chopin não fi cou um único momento deslumbrado ou embriagado com o seu triunfo.”