A inspiração nas raízes checas

Encontrou a liberdade expressiva no folclore e nas obrasclássicas de Brahms e Wagner. Criador da célebre “Sinfoniado Novo Mundo”, Dvorák nunca escondeu o orgulho patriótico:“Deus sabe que esta música checa vai mover o mundo” O movimento nacionalista musicalestá logicamente associado aos paíseseuropeus de grande tradição folclórica.Da antiga Checoslováquia, AntonínDvorák (1841-1904) soube trazer para assuas composições mais famosas muitasdas marcas das melodias populares dasua região, a Boémia, por ter trabalhadocomo violinista numa cervejaria localquando era ainda muito jovem. Os seusdotes musicais — aprendeu também atocar órgão e deu nas vistas como corista— partem do reportório tradicional checosem esquecer as sonoridades clássicas deBeethoven, Wagner ou Brahms.

Compôs nove sinfonias e 14 quartetosde cordas, mas não foi nos seus trabalhosinstrumentais que a veia nacionalistase revelou mais apurada. Admirador deópera, criou vários trabalhos líricos degrande intensidade, onde o emprego dapalavra lhe permitiuaproximar-se das raízesfolclóricas checas. Dasonze que criou, a maisfamosa é “Rusalka”,composta em 1900.Num estilo puramenteeslavo, destaque aindapara o seu Concerto paraVioloncelo e para as“Danças Eslavas”.

Homem calmo etrabalhador, Dvorákpassou da aprendizagem— foi violinista na OrquestraNacional de Praga desde 1862 e recebeuuma bolsa para estudar em Viena, ondeconheceu Brahms — à criação e ao ensino,tornando-se professor de composição nacapital checa. O reconhecimento europeuchegou rapidamente e foram muitos ostítulos recebidos nas academias e associaçõesculturais do “velho continente”.Em 1892, foi ainda convidado para dirigiro Conservatório Nacional de Nova Iorquee, nesta longa viagem até aos EstadosUnidos, criou a sua obra mais conhecidae aplaudida: a Nona Sinfonia, conhecidacomo “Sinfonia do Novo Mundo” (presenteno disco interpretado pela Royal PhilharmonicOrchestra).

Ao longo do seu intenso percurso, foi colocandode parte as influências clássicase regressou às formas que lhe permitiamuma maior liberdade expressiva. De entreos mais fiéis seguidores, foi Leos Janacekquem conseguiu herdar o amor às raízeschecas, sem ocultar um espírito investigadorprogressista e uma notória forçamelódica e rítmica.

Na época em que Dvorák viveu, Pragasofria, à semelhança de muitas capitaiseuropeias na segunda metade do séculoXIX, um período de instabilidade políticaque se reflectiu emtodas as formas de vidasocial. A música nãosaiu incólume da crisee, apesar do compositorter procurado manter-seausente dos problemasdos países submetidosao domínio do ImpérioAustro-Húngaro, foramvárias as declaraçõespatrióticas. O folcloresentimental da Boémiafez parte da sua personalidadeartística até aofim, ficando célebre o desabafo que deixouescapar a um amigo, depois de compor aSétima Sinfonia: “Deus sabe que esta músicacheca vai mover o mundo”.

De passagem pela AméricaNo final do século XIX, os mais ilustrestalentos europeus eram frequentementesolicitados para colaborar no ensino enos actos culturais da América do Norte,o chamado “Novo Mundo”. Foi já como directordo Conservatório Nacional de NovaIorque — cargo que assumiu durante trêsanos — que Antonín Dvorák compôs a Sinfonia“Do Novo Mundo”, a primeira obrapresente no disco da Royal PhilharmonicOrchestra.

Estreada em 1893, no Carnegie Hall deNova Iorque, a Nona Sinfonia de Dvorákteve um êxito extraordinário e, sobre ela,o compositor comentou: “Apenas mequis moldar aos temas e particularidadesda música negra e dos peles vermelhas e,utilizando estes aspectos como assuntode partida, desenvolvi-os por meio dosrecursos naturais do ritmo, do contraponto,do timbre orquestral e da harmoniaactual.” Com a tonalidade de mi menor,esta sinfonia é alvo de teorias e pontos devista distintos porque são muitas as vozesdefensoras de que o tema parte de temastradicionais norte-americanos, como tambémhá quem o desminta e insista serem asmelodias checas e eslavas que, mais umavez, dominam a composição.

Independentemente disso, é importanteacompanhar a linha de pensamento deDvorák: coerente e avessa às repetições.No disco da Royal Philhamonic, destaqueainda para a abertura “Carnaval”, Op.92 e “Scherzo Capriccioso” em ré bemol,Op.66. ¦

Obras seleccionadas
1 – Sinfonia nº 9 em Mi Menor“
Do Novo Mundo”, Op.95
2 – Abertura “Carnaval”, Op. 92
3 – Scherzo Capriccioso em Ré Bemol, Op. 66

 

 

PRÓXIMO COMPOSITOR

Clement Philibert Léo Delibes

Viveu com o desejo de atingir uma perfeição artísticainalcançável. Clement Philibert Léo Delibes (1836-1891)deixou, mesmo assim, uma obra marcada pela graciosidadee o exotismo, começando por se evidenciar nogénero da opereta. Desta fase mais ligeira, que duroucerca de 15 anos, destacam-se “Dois Cêntimos de Carvão”(criada, em 1856, para o teatro Follies Nouvelles),“A Tortilha” (1859), “Os Músicos da Orquestra” (1861),“A Serpente de Penas” (1864) e “Malbrough foi para aGuerra” (1867).
Insatisfeito com o rumo da sua carreira, Delibes tentoudestruir os seus primeiros trabalhos (sem êxito) e sóconseguiu umaoportunidade parase afirmar comoautor de partiturasde “ballet” com“A Fonte” (1866).Seguiram-se assuas composiçõesmais famosas,“Coppélia” (1870)e “Sílvia” (1876),que lhe granjearamum êxito semprecedentes naÓpera de Paris.A forma como conseguiu combinar o teatro com adança pura tornaram-no num músico de referência.Em 1881, Delibes foi nomeado professor de Composiçãodo Conservatório de Paris, onde havia estudado na infância.A sua obra mais fascinante, “Lakmé”, estreou-se a14 de Abril de 1883, e revelou alguns traços de um certomisticismo oriental muito comum na época. A músicade Delibes, artista com uma profunda sensibilidademelódica, parecia estar fora do seu tempo e evitou oarrebatamento do romantismo militante.