"Soldados, sereias e patos num jogo de fantasia" de Hans Christian Andersen
Por SARA GOMES
Quarta-feira, 15 de Dezembro de 2004

“Contos de H.C. Andersen” é uma colectânea de 41 histórias, nem todas com um final feliz, assinadas pelo “pai dos contos de fadas modernos”. A edição antecipa o bicentenário do nascimento do escritor dinamarquês, que se comemora em 2005.

Em 1835, o dinamarquês Hans Christian Andersen (1805- 1875) escreveu o seu primeiro livro: “Contos, contados por crianças”. A partir daí, todos os Natais, Andersen publicava mais uma compilação de histórias que ouvira quando era pequeno, mas também outras que começou a escrever. Em 1837, o terceiro volume incluiu contos como “O Patinho Feio”, “A Rapariguinha dos Fósforos” ou “O Rouxinol”. Com estas colectâneas, o escritor foi apelidado de “pai dos contos de fadas modernos”.

“Contos de H.C. Andersen”, o livro deste Natal da Colecção Geração PÚBLICO, reúne 41 histórias imaginadas pelo dinamarquês que se inspirou na tradição oral e na sabedoria popular para criar alguns dos contos mais lidos de sempre. É o caso de “João Pateta”, “O Firme Soldado de Chumbo”, “A Polegadazinha” ou “A Princesa e a Ervilha”.

Como em anos anteriores, ao comprar o livro de Natal “Contos de H.C. Andersen” o leitor está a contribuir com 10 cêntimos para a Novo Futuro, Associação de Lares Familiares para Crianças e Jovens. O PÚBLICO apoia, assim, esta associação que tem ao seu cuidado cerca de 60 jovens, dos cinco aos 21 anos, sem família, distribuídos por seis casas (cinco em Lisboa e uma no Porto). A instituição acompanha jovens em risco e ajuda-os a integrar-se na sociedade através de cursos, estágios e actividades de tempos livres.

Esta edição especial de Natal assinala também o início de uma parceria com a Embaixada Real da Dinamarca — em 2005 comemora-se o bicentenário do nascimento do escritor e estão previstas inúmeras iniciativas (publicação de livros, ilustração de contos, exposições itinerantes).

“A diferença do nosso mundo e do conto está no facto de que o conto é maior, mais vivo e mais livre”, dizia Andersen. E é exactamente dessa liberdade que vivem histórias como a do patinho que, por ter nascido tão feio, foi discriminado por todos, inclusive a própria mãe, mas que no final se transforma num belo cisne (“O Patinho Feio). Ou histórias como a da pequena menina que nasceu numa tulipa e acabaria por se tornar “a rainha de todas as flores”, ganhando “um par de lindas asas” e sendo baptizada de “Maia” (“A Polegadazinha”).

Exímio na arte de narrar, Andersen inovou no estilo e no conteúdo, aplicou regras de outras línguas ao dinamarquês. Se até então os contos de fadas eram didácticos, Andersen reinventouos, tornando as crianças e os excluídos porta-vozes de questões morais. Mas, à semelhança dos contos dos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm, nem todas as suas histórias têm um final feliz. Muitas vezes, os “maus” conseguem mesmo concretizar os seus intentos. É o que acontece em “A Sereiazinha”, apesar de nas diversas adaptações para cinema a bela e jovem filha do Rei do Mar acabar casada com o príncipe dos seus sonhos. Na versão original do conto, a sereia sucumbe aos feitiços da bruxa, é transformada em espuma do mar e ainda assiste ao casamento do príncipe com outra jovem. 

O mundo perdido de Andersen

Traduzida em cerca de 150 línguas, a obra literária de Andersen é das mais divulgadas no mundo. A pobreza, os vícios humanos, a religiosidade e o amor são os temas mais abordados pelo escritor, que nasceu numa família humilde e desde cedo teve de trabalhar para se sustentar. “A minha infância foi perdida. Não podia pensar na minha vida como uma realidade sólida. Tinha de fazer dela um jogo de fantasia.” Por isso, aos 14 anos, mudou-se para Copenhaga atrás do sonho de se tornar cantor, bailarino ou actor.

Mas, um dia, apresentaramno como poeta: “Isso penetroume, no corpo e na alma, e os meus olhos encheram-se de lágrimas. Soube que, naquele preciso momento, a minha consciência estava aberta para a escrita e para a poesia.” Começou, então, a escrever peças e depois contos, em 1828. Nos anos seguintes, viaja por todo o mundo — da Suécia ao Médio Oriente. Conhece Portugal, país a que chama de “paraíso terreal” no seu livro “Uma Viagem a Portugal em 1866”.

Apesar de os seus contos serem frequentemente classificados como infantis, Andersen sempre defendeu que os seus livros “tanto são para os adultos, como para as crianças”.

A sua influência estendeuse a escritores tão diferentes como Charles Dickens, Oscar Wilde, C.S. Lewis, Isak Dinesen, P.O. Enquist, Cees Noteboom, entre outros.



Livros que nos transportam para o plano da aventura da fantasia, da descoberta e da ficção, apelando à imaginação de cada leitor para criar as imagens, as personagens e os cenários.

PERFIL

Quem é Hans Christian Andersen?

Hans Christian Andersen nasceu nos arredores de Odense, na Dinamarca, em 1805, numa família humilde: o pai, sapateiro, acreditava ser de origem aristocrática; a mãe era lavadeira e alcoólica mas, apesar de analfabeta, influenciou-o sobre o “folclore” dinamarquês; a irmã tornou-se prostituta e morreu jovem, em 1846. Embora não tenha tido muita educação, os pais encorajaram-no a escrever os primeiros contos e a criar um pequeno espectáculo de marionetas. Quando o pai morreu, em 1816, foi obrigado a trabalhar, primeiro como aprendiz de costureiro, depois numa fábrica de tabaco. Aos 14 anos, mudouse para Copenhaga e começou a escrever peças e contos. Mais tarde, a partir de 1831, viajou pela Europa e escreveu sobre a Suécia, Espanha, Portugal e Médio Oriente. Em Paris, conheceu Victor Hugo, Balzac e Alexandre Dumas. A sua obra “Poet’s Day Dreams” (1853) é dedicada a Charles Dickens, que encontrou em Londres. A fama de Andersen reside, contudo, nos contos, escritos entre 1835 e 1872. Morreu em Rolighed, Dinamarca, em Agosto de 1875.