(“Coração”) Henrique e as crianças bondosas de Edmundo de Amicis
Por DIEGO ARMÉS DOS SANTOS
Terça-feira, 11 de Janeiro de 2005
O diário de um menino que conta uma colecção de histórias enternecedoras e comoventes, num universo de bondade e inocência.
Henrique é um menino que escreve um diário. Este diário começa com a descrição do primeiro dia de aulas, a memória fresca das já saudosas férias, o regresso à rotina escolar, os reencontros. Na verdade, todo o romance "Coração", do italiano Edmundo de Amicis (1846-1908), é sobre o dia-a-dia de Henrique ao longo do ano escolar. Os episódios, divididos de acordo com os vários meses do ano, são relatos, na primeira pessoa, da vivência de uma criança e da sua aprendizagem, num ambiente de comovente inocência em que as virtudes da infância são descritas com minúcia e paixão. A atmosfera plena de virtuosismo, em que todas as personagens procuram ser seres humanos exemplares, denuncia também a veia moralizadora do escritor Amicis.
Toda a história - ou todas as histórias, uma vez que se trata de uma sequência de episódios que, embora ligados cronologicamente, são independentes uns dos outros - é contada num tom familiar e, ao mesmo tempo, coloquial, num registo que ficaria como marca de estilo do autor. As tristezas e alegrias de Henrique e dos seus companheiros, incluindo as graças e desgraças das respectivas famílias, são narradas com habilidade, usando uma linguagem ingénua e perfeitamente perceptível para leitores de tenra idade. Este carácter didáctico de "Coração", que por vezes chega a ser ideológico, viaja por temas como a bondade do ser humano, as suas virtudes em sociedade, a compaixão pelo próximo e ainda o amor pela pátria e o orgulho da nação. A esta última temática não será alheio o facto de Edmundo de Amicis ter vivido durante a época da reunificação da Itália - aliás, note-se que a ideia de "Itália" ou de "povo italiano" é constantemente enaltecida ao longo da obra. Por exemplo, na turma de Henrique, cuja escola se situa em Turim, na região de Piemonte, existe um rapaz de Reggio da Calábria. Quando o professor o apresenta à classe, diz sobre a sua região que é "uma terra que tem dado à Itália homens ilustres, bons trabalhadores e bravos soldados; vem de uma das mais belas terras da nossa pátria", após o que acrescenta "Tratai-o bem (...); fazei-lhe compreender que um italiano, em qualquer escola italiana que entre, encontra sempre irmãos".
Em "Coração", Edmundo de Amicis não diz explicitamente, mas dá a entender que acredita que a formação do futuro cidadão para o cumprimento das normas e regras sociais é um passo importante para alcançar a harmonia individual e social. É notória a intenção do autor de construir uma narrativa que desempenhe um papel formador ao nível do carácter dos seus "educandos".
Edmundo de Amicis, que em 1870 foi oficial da Escola Militar de Modena e participou em batalhas como a de Custozza contra as tropas austríacas, sublinha várias vezes a importância do espírito de união e do sentimento de fraternidade, sempre acompanhados por um profundo respeito pela autoridade e pelas hierarquias. A figura dos professores, bem como a imagem paterna, sempre distante e autoritária, sendo ao mesmo tempo benevolente e compreensiva, ocupam lugares de destaque, mantendo-se num patamar superior ao longo de toda a narrativa.
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