A Túlipa Negra Sobre a inveja
e a ambição
Por FRANCISCA GORJÃO HENRIQUES
Quarta-feira, 05 de Dezembro de 2005
Uma flor gera cobiça e
vingança. Tal como o
poder. Mas o mal não sai
vitorioso neste romance
de Alexandre Dumas.
Por Francisca Gorjão
Henriques
É o próprio Alexandre
Dumas quem
alerta nas primeiras
linhas: o contexto
político de “A Túlipa
Negra” é “indispensável
à clareza da [sua] história”. O
romance começa, por isso,
com duas mortes reais, que
só indirectamente estão
ligadas ao centro da narrativa:
a de Cornélio de Witt,
deputado, e seu irmão, João
de Witt, grande pensionista
da Holanda.
É uma multidão em fúria
que, a 20 de Agosto de 1672,
clama a morte dos De Witt.
Pelas ruas de Haia, a capital
das Sete Províncias Unidas
“inchava todas as artérias
com uma onda negra e vermelha
de cidadãos apressados,
ofegantes, inquietos”.
João de Witt abolira o cargo
de estatuderato (que começou
por ser confiado ao governador
de cada província e mais
tarde aos chefes militares
da União) para impedir
príncipe Guilherme III de
Orange de chegar ao poder.
E era acusado pelo povo de
tentar matar.
As duas décadas da administração
de De Witt foram
marcadas pelas rivalidades
comerciais (e consequentemente
políticas) com a Espanha,
a Inglaterra e a França.
1672 vem identificado nos
compêndios de História
como “o ano do desastre”:
Luís XIV lança a
terceira guerra contra
a Holanda. De Witt
tenta negociar a paz.
Guilherme de Orange
é nomeado estatúder
e os irmãos de Witt,
acusados de traição
à pátria, são linchados
por uma
multidão
orangista,
antes de
conseguirem
fugir
para o exílio.
Restam poucas
dúvidas de que
Guilherme de Orange
terá dado a sua autorização
para o massacre — e
Alexandre Dumas dá-a
como certa.
Um retrato da Inglaterra do século XII
Os De Witt não são as personagens
centrais desta
história. Mas foi Cornélio
quem depositou nas mãos do
seu homónimo afilhado os
documentos que iriam mudar
o seu destino. É preciso
esperar pelo quinto capítulo
para se chegar às túlipas,
e à personagem central do
romance.
Cornélio van Baerle recebeu
instruções para não ler
as páginas que o padrinho
lhe confiara. Não
precisou de se esforçar:
estava mais
preocupado com
as suas túlipas do
que com a política.
Apesar de médico,
a sua dedicação à
botânica era tão
grande como a
inveja que a sua
arte suscitava no
vizinho Isaac Boxtel, Boxtel,
“um inimigo feroz, encarniçado,
irreconciliável”.
Os dois criam túlipas, “essa
obra-prima da criação”,
mas só um está a um passo
da túlipa negra — a flor pela
qual a Sociedade Hortícola
de Haarlem oferece cem mil
florins. “Coisa estranha!
Tanto interesse e o amor
próprio da arte não tinham
extinto em Isaac a feroz
inveja, a sede de vingança.
Algumas vezes, vendo Van
Baerle no telescópio, tinha
a ilusão de que apontava
um mosquete infalível, e
procurava com o dedo o
gatilho para disparar o tiro
que devia matá-lo.
”
O vigilante Boxtel arma
uma cilada contra Cornélio,
que é acusado de traição a
par com os De Witt. Mas não
consegue ficar com os seus
bolbos.
Na prisão, Cornélio
apaixona-se por Rosa,
a filha do carcereiro.
Será ela, e o seu amor,
que permitirão que a
túlipa negra floresça.
Mas serão necessários
mais percalços
e aventuras para
que a flor acabe nas
mãos do seu legítimo
dono. Porque Dumas
promete ao leitor,
“esse velho amigo”,
“sempre prazer
na primeira
página, e ao
qual mantemos,
o melhor
que podemos, a
nossa palavra
nas páginas seguintes”.
Escrito em
1850, este
romance de
Dumas, que
c o m e ç a
com um
linchamento,
é também
uma
história de
amor. Não
é a mais
famosa das
obras do escritor,
mais
conhecido
com “O Conde
de Monte
Cristo”, ou
“Os Três Mosqueteiros”,
ambas
escritas no
espaço de dois
anos. Alexandre
Dumas teve, aliás,
uma produção
intensa, que lhe
valia um rendimento
de 200 mil francos
anuais.
Houve quem chamasse
ao seu escritório
de produção literária
— tinha dezenas
de assistentes a ajudá-lo,
incluindo o professor de
história Auguiste Maquet
— uma fábrica de romances.
Uns criticavam o seu estilo
melodramático. Outros, como
o escritor Victor Hugo,
rendiam-se à sua escrita: “O
nome de Alexandre Dumas é
mais do que francês, é europeu;
é mais do que europeu,
é universal.”
“Não lhe falta nada: nem o
combate, que é o dever; nem a
vitória que é a felicidade.”
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