“Peter Pan, a criança centenária" de James M. Barrie
Por DIEGO ARMÉS DOS SANTOS
Quarta-feira, 08 de Dezembro de 2004

Vive na Terra do Nunca, tem uma amiga que é uma fada e é odiado por um pirata. Peter Pan é um rapazinho invulgar e o herói desta história, que já celebra 100 anos.

“Todas as crianças crescem, excepto uma. ”Quem não conhece Peter Pan, o rapazinho endiabrado, que teima em não crescer e que vive, na companhia da fada Sininho, num mundo de fantasia chamado Terra do Nunca? A história de Peter transformou-se num dos maiores clássicos da literatura infantil de todos os tempos. Aliás, hoje em dia, Peter Pan já não habita apenas as páginas do romance do dramaturgo e novelista escocês Sir James Matthew Barrie, pois são vários os filmes, séries televisivas e desenhos animados queretratam as aventuras da personagem. Ora, o que poucos imaginarão ao olhar para a aparência infantil e cheia de frescura de Peter Pan é que este menino já é centenário.

A personagem surgiu pela primeira vez no romance de J.M. Barrie “The Little White Bird” (“O Pequeno Pássaro Branco”), em 1902. Trata-se, no entanto, de uma aparição fugaz numa história em que o protagonista passeia com um rapazinho e lhe conta a história de uma criança que não quer crescer. O real nascimento de Peter Pan, que faz dele o centro de todas as atenções, é a peça de teatro infantil com o seu nome, que sobe ao palco em 1904, em Londres. Ainda assim, Peter seria imortalizado apenas sete anos mais tarde, aquando da edição em livro do romance infantil “Peter and Wendy”, que resulta de uma adaptação da peça de teatro, feita pelo próprio J.M. Barrie.

O elixir da juventude

Qual será então o segredo de Peter Pan para não crescer nem envelhecer, apesar da idade já avançada? Trata-se de uma personagem peculiar, bem mais complexa do que as suas aventuras fantasiosas e cheias de acção poderão sugerir. Peter Pan não é apenas uma personagem que não quer crescer, pois todas as crianças que o acompanham também não se querem tornar adultos.

O que faz dele especial é o facto de ter consciência do que implica crescer e, por isso mesmo, se recusar, em absoluto, a fazê-lo. Como? É fácil: esquecendo. Peter Pan limpa da memória tudo o que não lhe interessa, incluindo essa mesma consciência. Ou seja, apaga da lembrança tudo o que não gosta, tornando todas as coisas efémeras e impedindo-as de lhe causar sofrimento ou de lhe fazer falta. Peter Pan é uma espécie de último sobrevivente, aquele que resiste até ao limite, e que usa todos os meios para se manter tal como é. Um objectivo que o leva ao ponto de se esquecer do amor da sua mãe, passando a defender que “todas as mães servem apenas para contar histórias”. Curiosamente, Peter Pan acaba por esquecer- se das próprias histórias que vai vivendo. Para saber o que fez no passado, vê-se obrigado a ouvir as histórias contadas por raparigas que, como Wendy Darling, fazem o papel de sua mãe. Claro que, pouco tempo depois de ouvir as histórias, Peter vai esquecer-se delas novamente. E assim sucessivamente...

As fadas também morrem

No livro de J.M. Barrie, conhecemos Peter Pan através de Wendy, uma rapariga que vive com os pais e os dois irmãos mais novos que, certo dia, são visitados por Peter Pan e pela fada Sininho. Os três pequenos decidem, então, voar com Peter Pan até à Terra do Nunca, na Ilha da Fantasia, juntandose aos “rapazes perdidos”. A partir daí, sucedem-se uma série de aventuras típicas da imaginação das crianças, em cenários difíceis de imaginar por um adulto. As personagens do romance são igualmente exóticas: piratas malvados, liderados pelo Capitão Gancho, inimigo de Peter Pan, que perdeu a mão direita quando um crocodilo (que tem um despertador na barriga) a comeu. Há também os índios peles-vermelhas, que combatem regularmente com os piratas, em sangrentas batalhas. Além dos animais estranhos, há ainda as fadas, personagens fundamentais para que as crianças possam viver na Terra do Nunca e, por exemplo, voar. A impulsiva Sininho é a mais conhecida de todas, pois acompanha Peter Pan em todas as suas aventuras. Na verdade, todo o ciúme que Sininho sente em relação a Wendy sugere uma interessante paixão da fada pelo herói dos “rapazes perdidos”. Já agora, para quem não acredita em fadas, não se esqueçam de que, de cada vez que alguém diz que não acredita que as fadas existem, há uma delas que morre... É Peter Pan quem o garante.

 



Livros que nos transportam para o plano da aventura da fantasia, da descoberta e da ficção, apelando à imaginação de cada leitor para criar as imagens, as personagens e os cenários.

Uma aventura no cinema

O mundo mágico de J. M. Barrie há muito que seduziu o cinema. Logo em 1924, ainda no tempo do cinema mudo, o realizador Herbert Brenon dirigiu uma versão de “Peter Pan” em que o herói era interpretado por uma actriz, Betty Bronson. Três décadas depois, o clássico animado da Walt Disney regressa à Terra do Nunca com um sucesso em larga escala. Steven Spielberg também não resistiu às aventuras de Peter Pan e resolveu criar um novo rumo para o conto, com Robin Williams na pele do menino que afinal cresceu, casou-se e tornouse num executivo. No elenco de “Hook” (1991) estavam ainda Dustin Hoffman (Capitão Gancho) e Julia Roberts (Fada Sininho). O jovem Seremy Sumpter foi também o intérprete de “Peter Pan” numa outra versão recheada de fantasia que P.J. Hogan realizou em 2003. No final deste mês estreia-se ainda “À Procura da Terra do Nunca”, um retrato da vida e da obra do autor J.M. Barrie, interpretado por Johnny Depp. No filme, Barrie encontrase dividido entre a carreira de dramaturgo e o convívio com os filhos de Sylvia Davies (Kate Winslet). E será a criação da história de Peter Pan que lhe permitirá encontrar um equilíbrio.