Mulherzinhas, americanas
Por Isabel Salema
Quarta-feira, 01 de Dezembro de 2004

Meg, Jo, Beth e Amy discutem a melhor forma de fazer caracóis com papelotes, mas também a independência da mulher americana. É o primeiro volume do clássico de Louisa May Alcott.

Logo nas primeiras páginas de “Mulherzinhas”, Louisa May Alcott conversa com os seus “leitores jovens”, afirmando que eles gostam de conhecer as pessoas com quem vão lidar. É o momento em que o narrador (aqui omnisciente) aproveita a ocasião para dar uma ideia das quatro irmãs, as “mulherzinhas” que dão o título ao romance da autora.

Fá-lo pela ordem de idades destas jovens americanas do século XIX: “Margarida, a mais velha das quatro irmãs, tinha dezasseis anos. Era uma linda rapariga...”, “Jo, de quinze anos, era muito alta, magra e morena e lembrava um poldro”, Beth “era uma rapariguinha de treze anos, acanhada”, “Amy, embora fosse a mais nova, era a pessoa mais importante da família, pelo menos no seu conceito”.

Mas é em Jo, o retrato da própria autora — “Mulherzinhas” é um romance bastante autobiográfico —, aquele em que Louisa May Alcott mais se detém. Jo quer e acaba a ser escritora: “Tinha uma boca decidida, nariz petulante, vivos olhos cinzentos que pareciam tudo ver e onde bailava uma expressão ora altiva, ora marota ou sonhadora. [...] De ombros bem torneados, mãos e pés grandes, Jo tinha, na maneira despreocupada com que se vestia, o inconfortável aspecto de uma rapariga que caminhava para mulher contra a sua própria vontade.”

O romance de Alcott começa com Jo a protestar que “Natal sem prendas de Natal não é Natal” e Meg a dizer que “ser-se pobre é uma coisa terrível”. Mas rapidamente a irmã mais velha introduz a razão para a ausência de presentes, uma sugestão da própria mãe: “Ela é de opinião de que não se deve gastar dinheiro em coisas supérfluas, quando os nossos homens se sacrificam na guerra.”

O pai, Mr. March, alistou-se como capelão do Exército porque já não podia fazê-lo como soldado na guerra civil dos Estados Unidos. A mãe está ausente, a trabalhar, para suportar a família. Meg e Jo também trabalham para ajudar.

Louisa May Alcott dá logo no primeiro capítulo o novo quadro familiar e social que provocou a guerra da Secessão: as mulheres saíram de casa para trabalhar e a ordem das coisas nunca mais foi a mesma.

Alcott, uma feminista?

É a personagem de Jo, a maria-rapaz, que verbaliza melhor os desejos da nova mulher. “É horrível ser-se rapariga quando se gosta tanto dos jogos, do trabalho e dos modos dos rapazes. É superior a mim esta desilusão de ter nascido rapariga, e não rapaz: o meu desejo, agora mais do que nunca, era estar ao lado do papá na guerra, e não em casa, como tenho de estar.” Mais à frente o sr. Brooke, preceptor de Laurie, o vizinho do lado, faz o elogio da independência da mulher americana: “As jovens americanas amam a independência, tanto ou mais do que os seus antepassados, e são admiradas e respeitadas por proverem ao seu próprio sustento sem terem de depender de ninguém.”

Tal como as mulheres da família March, é Louisa May Alcott que consegue sustentar a família, porque o rendimento conseguido pelo pai, um filósofo e professor, era muito instável. Só com “Mulherzinhas”, principalmente com o segundo volume do romance, publicado em 1869 depois do enorme sucesso da primeira parte, é que a família Alcott consegue um sustento regular.

Ao mesmo tempo que a carreira da escritora cresce continuamente, Alcott torna-se militante do movimento sufragista, escrevendo para “The Woman’s Journal” e fazendo campanha porta a porta para conseguir que as mulheres se registem. Ao contrário das suas mulherzinhas, a escritora nunca casa e morre solteira, aos 56 anos, em Boston.

Mas o livro também está cheio de peripécias mais adequadas ao entretenimento dos jovens leitores, havendo episódios hilariantes como o da cabeleireira Jo a fazer caracóis a Meg, antes de uma festa, que começa com demasiado fumo e um agoirento cheiro a aves queimadas: “Ao tirar os papelotes, não apareceu qualquer nuvem de caracolinhos. As madeixas de cabelos da irmã vieram presas aos papelotes, e a cabeleireira, horrorizada, pousou sobre o tampo da cómoda uma série de embrulhinhos de cabelo e papel enegrecidos e queimados.”

O livro foi várias vezes adaptado para cinema, sendo a última feita em 1994 pela realizadora americana Gillian Armstrong. Winona Ryder faz de Jo, Claire Danes faz de Beth e Kirsten Dunst de pequena Amy, mas a Jo mais famosa é de Katharine Hepburn, dirigida por George Cukor em 1933, que se identificava muito com a sua personagem.

 



Livros que nos transportam para o plano da aventura da fantasia, da descoberta e da ficção, apelando à imaginação de cada leitor para criar as imagens, as personagens e os cenários.