"Ovnis no Castelo de São Jorge" de Alice Vieira
Por RITA PIMENTA
Quarta-feira, 17 de Novembro de 2004

Uma aventura vivida por três irmãos dá-nos conta do reboliço que era a corte de D. Afonso Henriques quando a peste grassava em Lisboa. Corria o ano de 1147 e só os pequenos sabiam o que mais ninguém imaginava. A viagem no tempo tem uma responsável: Alice Vieira.

Quando Mafalda, Fernando e Vasco procuravam uma moeda antiga, da colecção do mais “coca- bichinhos” dos três irmãos, nunca pensaram que iriam dar de caras com longínquos antepassados. E muito menos que lhes falariam de ovnis. Tudo aconteceu em Lisboa, no Castelo de São Jorge. Em Portugal, pois então.

Aparentemente, estava-se nos anos 80 do século XX, mas o tempo baralhou-se e a corte de D. Afonso Henriques desenhouse à frente dos miúdos. Seria um filme, um sonho? O narrador esclarece de imediato: “É evidente que estivessem eles habituados a ler muitas histórias de aventuras, tivessem eles visto aqueles filmes em que, de um momento para o outro, as personagens avançam mil anos ou recuam outros mil, já teriam percebido que com eles se estava a passar o mesmo. Mas, o que é que vocês querem, eles ainda pensam que estão calmamente em 1981, e quem sou eu para me chegar junto deles e contar-lhes tudo. Nem o meu papel é esse, como devem compreender.”

O estilo e o tom do narrador são inovações de Alice Vieira na literatura para a infância e juventude. Bastante eficazes, estas intromissões oferecem ao leitor uma curta pausa, em que a mudança de registo não o faz perder-se na narrativa, antes o obriga a tomar consciência dos acontecimentos que as precedem e sucedem. Sem dar por isso, organiza-os.

A espada, título do livro, é o motivo por que os três jovens protagonistas são lançados às masmorras. Querendo agradar a Vossa Alteza, cantaram, entre outras trovas:

“E foi então que o tal ovni, no meio do frenesi de quem esperava sarilho, baixou aos olhos da gente que logo ali de repente se ofuscaram com seu brilho

Perante uma tal magia quis o povo em euforia resposta ao enigma absconso: mas tudo o que o povo viu foi o esplendor e o feitio da espada do rei Afonso

E logo em clarão imenso com laivos de prata e incenso voltou o gládio às alturas; na terra ficou o rumor de vozes prevendo o alvor de heróicas glórias futuras.”

Depois do aplauso, veio a dúvida do monarca, de bom feitio, já se vê: “Dizei-me cá alto e bom som, bem pronunciado e com as letras todas, que palavra foi essa que em vossas trovas chamastes à minha espada.”

Desastre!

A partir daqui, só o conhecimento de Fernando e a astúcia de Mafalda poderão salvar os três jovens. Devolvê-los ao seu tempo será empresa mais difícil.

Escritora há 25 anos, Alice Vieira entrou na literatura via jornalismo. Foi no “Diário de Notícias” que exerceu a profissão que escolheu desde cedo. Com a obra “Rosa, Minha Irmã Rosa” (1979), viria a mudar de rumo. Ao concorrer ao Prémio de Literatura Infantil Ano Interna-cional da Criança, por incentivo do marido (o jornalista e escritor Mário Castrim), e ao conquistar o primeiro lugar, iniciaria uma carreira literária ímpar no panorama nacional da escrita para crianças e jovens.

Bastante traduzida e com os mais prestigiados prémios (nacionais e internacionais) em carteira, Alice Vieira tem um percurso “pautado pelo bom gosto e pela recusa sensata de excessivas mediatizações”, diz o escritor e amigo José Jorge Letria, que acrescenta: “Alice Vieira sempre soube que escrever para os mais novos não pode nem deve ser um modo de menorizar ou de acessibilizar formalmente a escrita à custa do seu empobrecimento. Escrever para os mais novos, acto que é muito menos simples do que alguns imaginam quando por mera estratégia comercial efectuam fugazes incursões neste domínio, exige um conhecimento profundo do universo intelectual e vivencial dos destinatários. E esse conhecimento tem-no Alice Vieira de sobra.”

Por simplicidade na escrita não significar pobreza e por sensibilidade e pieguice não serem sinónimos, há livros e autores cuja leitura nos leva a ignorar a idade que arrastamos. Mesmo que o cenário nos reporte ao tempo de D. Afonso Henriques e os protagonistas sejam crianças.

 

 



Livros que nos transportam para o plano da aventura da fantasia, da descoberta e da ficção, apelando à imaginação de cada leitor para criar as imagens, as personagens e os cenários.