"D. Afonso Henriques batia na mãe"; de Alice Vieira
Por RITA PIMENTA
Terça-feira, 16 de Novembrode 2004

Pela mão de Alice Vieira, três irmãos recuam no tempo e não escapam ao mau feitio do primeiro rei de Portugal, que ainda não o era. Encontram D. Afonso Henriques no Castelo de São Jorge, em Al-Usbuna. Isto é, Lisboa

À procura de uma moeda de colecção perdida, os jovens Fernando, Mafalda e Vasco vão dar à entrada do Castelo de São Jorge. Aí apercebem- se de que estão na presença de D. Bibas, o bobo da corte de D. Afonso Henriques. Recuaram mais de 800 anos.

Editado pela primeira vez em 1981, “A Espada do Rei Afonso” abre uma nova janela na escrita de Alice Vieira, que assim convida os leitores a viajar no fantástico e no tempo.

Estupefactos, os três irmãos assistem a um discurso do monarca, pensando ser figurantes de uma longa-metragem: “Aqui onde me vêem sempre fui ambicioso, que lá isso herdei-o da minha mãe D. Teresa, sem dúvida nenhuma. Não morríamos de amores um pelo outro, mas tenho de reconhecer que a senhora era de força. E ainda me fez passar uns maus bocados, olá se fez. Por muito séculos que eu viva, não me hei-de esquecer daquele ano de 1128 quando ela vem por aí acima a dar-me guerra ali nos campos de São Mamede... Tudo porque eu barafustei quando comecei a vê-la entregar os lugares de mando a gente que não era portuguesa! Está bem que eu então ainda não reinava a valer, que era ela que mandava depois da morte do meu pai, mas eu é que não podia ficar quietinho no meu lugar a olhar para os falcões... nunca foi lá muito o meu feitio, catrâmbias!”

A ambição e violência desta figura histórica estão na génese da “máxima” que há muito se lhe colou: “D. Afonso Henriques batia na mãe.” Embora Alice nunca o escreva assim.

Intervalada com a presença de um narrador que se assume como tagarela e intrometido (aqui e ali se desculpando por não conseguir deixar de dar explicações), a história da História rola divertida do princípio ao fim, com certos momentos mais críticos e outros mais comoventes. Sempre numa escrita clara e limpa.

Os jovens protagonistas hão-de conhecer as masmorras, Fernão Moniz e Mendo Soares. Valerlhes- á saberem muitos dos episódios do passado luso (ali, futuro) e assim explorarem a seu favor as vulnerabilidades e anseios do monarca, como o facto de à data o Papa não lhe ter ainda dado o título de rei.

“A Espada do Rei Afonso” antecede a obra “Este Rei Que Eu Escolhi”, duas visitas ao longínquo reino de Portugal. Neste último, os mesmos protagonistas mais a tia Leocádia vão participar na escolha do Mestre de Avis (D. João I).

Alice Vieira, cujos livros se encontram amplamente traduzidos, comemora em 2004 os 25 anos de carreira literária, iniciada com a obra “Rosa, Minha Irmã Rosa”, na altura distinguida com o Prémio de Literatura Infantil Ano Internacional da Criança (1979). Outros prémios importantes se lhe seguiram: Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças, Auswahlliste Deutscher Jugendliteraturpreis, integrou a Lista de Honra do International Board on Books fo Young People e foi por duas vezes candidata ao Prémio Hans Christian Andersen, o “Nobel” da literatura para a infância.

Da espada do rei Afonso diz-se que “pesava centenas de quilos e que ele devia ser um bruto para poder andar à espadeirada com ela”. Não custa a acreditar.




Livros que nos transportam para o plano da aventura da fantasia, da descoberta e da ficção, apelando à imaginação de cada leitor para criar as imagens, as personagens e os cenários.