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"As
Aventuras de Tom Sawyer"
MARK TWAIN NO PLANETA DAS CRIANÇAS
Por DIEGO ARMÉS DOS SANTOS
Tom Sawyer corre, salta, joga ao berlinde, vai
à escola e às aulas de doutrina, anda à pancada
e tem amigos, num turbilhão de aventuras que se desenrolam
junto ao rio Mississípi, na pequena aldeia de Sampetersburgo,
não muito longe de St. Louis. Este miúdo endiabrado
e rebelde é educado pela Tia Polly. Com Tom, vive também
o seu irmão, Sid, que se comporta de forma diametralmente
oposta à de Tom, e Mary, uma rapariga um pouco mais velha,
muito dada aos afazeres domésticos
e à prática religiosa. Tom é uma espécie
de “degenerado” da casa. Talvez seja por isso que
a Tia Polly o estima tanto, embora por vezes não o demonstre,
uma vez que a educação da altura não o permite
e, sendo Tom uma criança tão difícil de tratar,
acabe por tornar-se necessário castigá-lo
com alguma dureza.
Fora do núcleo familiar de Tom Sawyer existem,
mais que tudo, os seus amigos. E, de entre estes, acompanham-no,
acima de todos os outros, Huckleberry Finn ou apenas Huck, o miúdo
vagabundo, e Joe Harper, uma espécie de alma gémea
de Tom Sawyer, mas com menos carisma
e imaginação. Os três protagonizam a maior parte
das aventuras, incluindo a estadia “pirata” na ilha
de Jackson, um episódio magnífico em que Mark Twain,
o autor (1835-1910, EUA), coloca os três petizes numa ilhota
no meio do Mississípi, levando toda a aldeia a julgá-los
mortos. Porém, a situação de maior relevo em
todo o livro – uma espécie
de jogo do gato e do rato, no qual o gato é Joe,
“o Índio”, vilão temido, um homem sem
sentimentos nem honra – tem como protagonistas Tom e Huck.
Para além destes dois companheiros de Tom,
existem ainda Becky Thatcher e Amy Lawrence,
as duas concorrentes pelo coração do protagonista,
embora a primeira leve clara vantagem em todos
os aspectos – e especialmente num: chegou de fora, de St.
Louis, “a” cidade. No mundo dos adultos, figuram a bondosa
e sociável viúva Douglas, o juiz Thatcher ou o professor
de doutrina... uma galeria completa de personagens sociais, devidamente
hierarquizadas, de forma a que se torne fácil compreender
como funcionava uma pequena aldeia, perdida no meio do vasto território
americano, em meados do século XIX.
A personagem de Tom Sawyer é uma espécie
de sonho de infância: qualquer criança gostaria de
ser um “Tom Sawyer”. Ele não tem medo de nada,
é forte, ágil, bom nadador, esperto, intimida os oponentes
e é carismático e sedutor com quem
lhe agrada. Para o tornar ainda mais perfeito,
é perito em produzir disparates e acaba por
ver-se muitas vezes em situações embaraçosas
– ou até perigosas... –, como qualquer criança
que se preze. Acrescente-se ainda que Tom
faz os possíveis por ser notado em todas as suas aventuras.
Existe nele uma constante busca de glória. E esta glória
consiste no seguinte: ser
visto como um herói; provocar a inveja nos seus companheiros;
provocar a ira nos seus opositores; conquistar o coração
das suas amadas; e ser admirado pelos mais velhos. Para obter tudo
isto, Tom pode utilizar várias “estratégias”,
desde ser dado como morto a enriquecer por encontrar um tesouro.
Ou até fazendo coisas menores, como
uma sessão de cambalhotas, fumar cachimbo ou desafiar um
“adversário” para uma luta mano a mano.
Para adultos que foram crianças
Mark Twain viaja até ao universo infantil
recriando as brincadeiras e as travessuras dos miúdos. Mas
não se esquece de reencontrar, por outro lado, a beleza e
a ingenuidade que só uma criança pode ter. E Tom Sawyer,
tal como o seu amigo Huck Finn, encarnam na perfeição
essa ingenuidade: tudo neles é puro e espontâneo. Dos
sentimentos que transparecem das suas atitudes, sempre repletas
de nobreza e humanidade, até às suas crenças
e superstições, algumas delas simplesmente hilariantes,
os dois miúdos transformam-se em seres humanos ideais: imperfeitos,
mas com
bom coração.
A preocupação de Twain em enaltecer
o que há de bom e puro no ser humano, isto é, nas
crianças
que ainda conservam na sua essência a bondade
e a generosidade como valores maiores, de forma espontânea,
é notória ao longo da obra. É fácil
perceber a facilidade do autor em mergulhar no mundo agitado e livre
(libertador?) dos infantes: todos os adultos já passaram
por aventuras semelhantes ou por situações parecidas.
Claro
que, no final, existem adultos que se lembram disso e existem outros
que esquecem tudo e para quem o universo infantil se torna inacessível.
Este livro é dedicado não só às crianças
mas também – ou principalmente – aos tais adultos
com boa memória e belas recordações dos seus
tempos de criança.
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