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Jack
London,
o escritor-aventureiro
Por JOSÉ VÍTOR MALHEIROS
Jack London morreu aos quarenta anos de idade,
a 22 de Novembro de 1916. Faleceu na mesma Califórnia onde
tinha nascido em 1876, mas depois de ter dado várias voltas
ao Mundo e de ter vivido nos locais mais exóticos do globo,
das neves do Alasca às praias dos mares do Sul. Quando morreu,
London era um símbolo universal da rebeldia e da febre da
viagem, o protótipo do escritor-aventureiro, o homem que
era impossível esquecer depois de se ter conhecido, que reunia
“o corpo de um atleta e a mente de um pensador” (nas
palavras do seu primeiro amor, Anna Strunsky).
Tinha atingido uma situação social a milhas da pobreza
da sua família de origem e uma popularidade que, mesmo nesses
tempos de difíceis comunicações, excedia largamente
as fronteiras dos Estados Unidos da América. Num período
de apenas vinte anos tinha escrito mais de cinquenta livros, que
foram traduzidos em dezenas de línguas e conheceram tiragens
de milhões de exemplares, muitos dos quais tiveram um sucesso
estrondoso e deram origem a mais de cem adaptações
ao cinema (onze delas ainda durante a vida de London), e as suas
declarações e proezas eram estampadas na primeira
página dos jornais.
Este homem, porém, sempre que podia fazê-lo, recusava-se
a admitir que era um escritor, repetia vezes sem conta que apenas
escrevia porque era essa a actividade que lhe fornecia o seu sustento
(“Quando escrevo uma boa frase não penso quanto é
que ela vale no mercado, mas quando me sento a escrever é
nisso que penso”) e, como na carta citada acima (escrita em
1913 a um jovem escritor que lhe pede conselhos), aproveitava todas
as oportunidades para dizer que deixaria a escrita se as suas condições
financeiras lhe permitissem esse luxo.
London preferia apresentar-se ao seu público mais como um
aventureiro, um viajante, um homem de acção, um criador
de gado ou um pescador de pérolas do que como um homem de
letras — e é inegável que essa pose lhe era
infinitamente conveniente, independentemente da sua dose de sinceridade.
(“Prefiro ser cinza do que pó. Prefiro ser um meteoro
com todos os átomos numa magnífica incandescência
do que um sonolento planeta permanente”, reza o seu credo.)
Os seus inúmeros fãs, deslumbrados pelo homem ou pela
obra, pelas suas ideias avançadas de socialista ou pela sua
inquebrantável defesa do individualismo, pela emoção
das suas histórias ou pela sua vida de “globe-trotter”,
compravam os seus livros. Para London, as letras proporcionavam-lhe
o dinheiro para gastar numa nova viagem, na construção
de um novo barco, de um rancho, de um novo sonho, mas não
eram uma profissão.
Na corrida ao ouro,
para fugir à pobreza
A literatura tinha aparecido como uma alternativa possível,
precisamente depois de uma estadia frustrada no Norte do Canadá,
na região do Yukon e do Klondike, que serviria de cenário
a muitos dos seus romances e contos (nomeadamente “O Apelo
da Selva”, publicado em 1903; “Presas Brancas”,
de 1906; e “A Febre do Ouro”, de 1912). London tinha-se
lançado em 1897 na corrida ao ouro no Klondike, depois de
ter deixado os estudos aos catorze anos, mas os meses passados aí,
de extrema dureza, não lhe tinham permitido encontrar a riqueza.
De regresso à civilização, decidiu tornar-se
escritor, com a convicção de que apenas a literatura
o poderia salvar de uma vida de “besta de carga”. Fez
a sua aprendizagem do ofício de escritor como autodidacta,
transformando os seus hábitos de leitor compulsivo em verdadeiras
aulas, estudando livros e artigos de revistas e disciplinadamente
definindo um horário diário de escrita, com exercícios
constantes (poemas, anedotas, contos de terror, contos de aventuras)
e enviando as suas produções para revistas que as
iam sistematicamente recusando. A disciplina manter-se-ia pelos
anos fora e tornaram-se famosas as 1000 palavras por dia que fez
questão de escrever durante toda a sua vida. As recusas manter-
-se-iam durante dois anos, após o que, um dia, uma revista,
“The Overland Monthly”, aceitou um artigo: “To
the man on trail”. Era Janeiro de 1899. Um segundo artigo,
“A Thousand Deaths”, seria publicado no ano seguinte,
numa revista chamada “The Black Cat”. Um primeiro livro
de contos (“O filho do lobo”) vê o prelo em Novembro
de 1899, mas o primeiro sinal de notoriedade virá com a publicação
de “An Odissey of the North” no “Atlantic Monthly”,
em 1900, já nessa altura com um faro infalível para
os bons autores.
A partir daí, a fama não se fez esperar. Além
dos seus livros de aventuras, London escreveu um famoso estudo sobre
a pobreza em Inglaterra (“O povo do abismo”, 1903),
várias obras de cariz autobiográfico, das quais as
mais relevantes são “Martin Eden” (1909) e “John
Barleycorn” (1913), e “O tacão de ferro”
(1907), uma obra de ficção política onde os
Estados Unidos sucumbem a uma ditadura fascista, além deter
trabalhado como jornalista. Os contos estão, porém,
entre as suas obras-primas.
Defensor dos direitos (e do voto) das mulheres, socialista convicto
(membro da Secção Americana do Partido Trabalhista
Socialista), entusiasta da educação física,
London foi inovador em inúmeros campos. Foi dos primeiros
escritores a trabalhar para o cinema (teve mesmo um pequeno papel
como actor no filme “The Sea-Wolf” [1913], uma das primeiras
longas-metragens americanas, baseado no seu romance do mesmo nome),
foi um dos introdutores do surf nos EUA (através dos seus
livros sobre o Havai) e é uma das figuras a quem se deve
o estabelecimento das ilhas do Pacífico como grande destino
turístico.
Durante anos, London foi vítima dos preconceitos de eruditos
e críticos, que acreditaram nas próprias declarações
do escritor segundo as quais a sua literatura apenas servia para
lhe pagar as contas e o classificaram apressadamente como um escritor
de histórias de cães (há muitas, de facto)
e de aventuras para rapazes sem interesse de maior. O estudo de
London alargou-se, porém, nos últimos anos e as suas
edições críticas têm surgido a bom ritmo,
acompanhadas por um extenso trabalho de investigação
sobre a sua vida e obra, que hoje é reconhecida como profunda
e inovadora. O que é talvez mais importante é que
London é, porém, um daqueles autores capaz de despertar,
apenas com um livro, aquela paixão da leitura que pode iluminar
toda uma vida.
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