Quarta-feira, 4 de Agosto


 

Jack London,
o escritor-aventureiro

Por JOSÉ VÍTOR MALHEIROS

Jack London morreu aos quarenta anos de idade, a 22 de Novembro de 1916. Faleceu na mesma Califórnia onde tinha nascido em 1876, mas depois de ter dado várias voltas ao Mundo e de ter vivido nos locais mais exóticos do globo, das neves do Alasca às praias dos mares do Sul. Quando morreu, London era um símbolo universal da rebeldia e da febre da viagem, o protótipo do escritor-aventureiro, o homem que era impossível esquecer depois de se ter conhecido, que reunia “o corpo de um atleta e a mente de um pensador” (nas palavras do seu primeiro amor, Anna Strunsky).

Tinha atingido uma situação social a milhas da pobreza da sua família de origem e uma popularidade que, mesmo nesses tempos de difíceis comunicações, excedia largamente as fronteiras dos Estados Unidos da América. Num período de apenas vinte anos tinha escrito mais de cinquenta livros, que foram traduzidos em dezenas de línguas e conheceram tiragens de milhões de exemplares, muitos dos quais tiveram um sucesso estrondoso e deram origem a mais de cem adaptações ao cinema (onze delas ainda durante a vida de London), e as suas declarações e proezas eram estampadas na primeira página dos jornais.

Este homem, porém, sempre que podia fazê-lo, recusava-se a admitir que era um escritor, repetia vezes sem conta que apenas escrevia porque era essa a actividade que lhe fornecia o seu sustento (“Quando escrevo uma boa frase não penso quanto é que ela vale no mercado, mas quando me sento a escrever é nisso que penso”) e, como na carta citada acima (escrita em 1913 a um jovem escritor que lhe pede conselhos), aproveitava todas as oportunidades para dizer que deixaria a escrita se as suas condições financeiras lhe permitissem esse luxo.

London preferia apresentar-se ao seu público mais como um aventureiro, um viajante, um homem de acção, um criador de gado ou um pescador de pérolas do que como um homem de letras — e é inegável que essa pose lhe era infinitamente conveniente, independentemente da sua dose de sinceridade. (“Prefiro ser cinza do que pó. Prefiro ser um meteoro com todos os átomos numa magnífica incandescência do que um sonolento planeta permanente”, reza o seu credo.) Os seus inúmeros fãs, deslumbrados pelo homem ou pela obra, pelas suas ideias avançadas de socialista ou pela sua inquebrantável defesa do individualismo, pela emoção das suas histórias ou pela sua vida de “globe-trotter”, compravam os seus livros. Para London, as letras proporcionavam-lhe o dinheiro para gastar numa nova viagem, na construção de um novo barco, de um rancho, de um novo sonho, mas não eram uma profissão.

Na corrida ao ouro,
para fugir à pobreza


A literatura tinha aparecido como uma alternativa possível, precisamente depois de uma estadia frustrada no Norte do Canadá, na região do Yukon e do Klondike, que serviria de cenário a muitos dos seus romances e contos (nomeadamente “O Apelo da Selva”, publicado em 1903; “Presas Brancas”, de 1906; e “A Febre do Ouro”, de 1912). London tinha-se lançado em 1897 na corrida ao ouro no Klondike, depois de ter deixado os estudos aos catorze anos, mas os meses passados aí, de extrema dureza, não lhe tinham permitido encontrar a riqueza.

De regresso à civilização, decidiu tornar-se escritor, com a convicção de que apenas a literatura o poderia salvar de uma vida de “besta de carga”. Fez a sua aprendizagem do ofício de escritor como autodidacta, transformando os seus hábitos de leitor compulsivo em verdadeiras aulas, estudando livros e artigos de revistas e disciplinadamente definindo um horário diário de escrita, com exercícios constantes (poemas, anedotas, contos de terror, contos de aventuras) e enviando as suas produções para revistas que as iam sistematicamente recusando. A disciplina manter-se-ia pelos anos fora e tornaram-se famosas as 1000 palavras por dia que fez questão de escrever durante toda a sua vida. As recusas manter- -se-iam durante dois anos, após o que, um dia, uma revista, “The Overland Monthly”, aceitou um artigo: “To the man on trail”. Era Janeiro de 1899. Um segundo artigo, “A Thousand Deaths”, seria publicado no ano seguinte, numa revista chamada “The Black Cat”. Um primeiro livro de contos (“O filho do lobo”) vê o prelo em Novembro de 1899, mas o primeiro sinal de notoriedade virá com a publicação de “An Odissey of the North” no “Atlantic Monthly”, em 1900, já nessa altura com um faro infalível para os bons autores.

A partir daí, a fama não se fez esperar. Além dos seus livros de aventuras, London escreveu um famoso estudo sobre a pobreza em Inglaterra (“O povo do abismo”, 1903), várias obras de cariz autobiográfico, das quais as mais relevantes são “Martin Eden” (1909) e “John Barleycorn” (1913), e “O tacão de ferro” (1907), uma obra de ficção política onde os Estados Unidos sucumbem a uma ditadura fascista, além deter trabalhado como jornalista. Os contos estão, porém, entre as suas obras-primas.

Defensor dos direitos (e do voto) das mulheres, socialista convicto (membro da Secção Americana do Partido Trabalhista Socialista), entusiasta da educação física, London foi inovador em inúmeros campos. Foi dos primeiros escritores a trabalhar para o cinema (teve mesmo um pequeno papel como actor no filme “The Sea-Wolf” [1913], uma das primeiras longas-metragens americanas, baseado no seu romance do mesmo nome), foi um dos introdutores do surf nos EUA (através dos seus livros sobre o Havai) e é uma das figuras a quem se deve o estabelecimento das ilhas do Pacífico como grande destino turístico.

Durante anos, London foi vítima dos preconceitos de eruditos e críticos, que acreditaram nas próprias declarações do escritor segundo as quais a sua literatura apenas servia para lhe pagar as contas e o classificaram apressadamente como um escritor de histórias de cães (há muitas, de facto) e de aventuras para rapazes sem interesse de maior. O estudo de London alargou-se, porém, nos últimos anos e as suas edições críticas têm surgido a bom ritmo, acompanhadas por um extenso trabalho de investigação sobre a sua vida e obra, que hoje é reconhecida como profunda e inovadora. O que é talvez mais importante é que London é, porém, um daqueles autores capaz de despertar, apenas com um livro, aquela paixão da leitura que pode iluminar
toda uma vida.







Livros que nos transportam para o plano da aventura da fantasia, da descoberta e da ficção, apelando à imaginação de cada leitor para criar as imagens, as personagens e os cenários.