De paquete ou de comboio - e por que não de elefante?

Quando em Londres se soube que Phileas Fogg apostara 20 mil libras com os seus amigos do Reform Club em como conseguia dar a volta ao mundo em 80 dias, a novidade alastrou pelos jornais. Muitos tomaram o partido de Fogg, outros, mais incrédulos, estavam convictos de que o inglês perderia a aposta. "Artigos de imprensa não menos apaixonados quanto lógicos apareceram a lume, uma vez que a geografia é um dos temas favoritos do povo inglês", escreve o autor Jules Verne.

E na Bolsa apareceu um novo valor. Qual cavalo de corrida, Phileas Fogg passou rapidamente de inglês soturno, controlado, mecânico e impassível (rico, cronometrado e frio) a nome de acções na bolsa de valores - "Títulos Phileas Fogg" foram postos no mercado primeiro em pacotes de cinco, depois de dez, e depois já ninguém levava menos de 20, 50 ou 100. O grande problema surgiu quando os jornais britânicos revelaram que Fogg era o ladrão que tinha roubado, semanas antes, 50 mil libras do Banco de Inglaterra.

Uma viagem de 360º

Phileas Fogg era "um daqueles ingleses que têm o hábito de conhecer países estrangeiros somente através dos olhos dos seus empregados". O empregado é Passepartout, um francês patusco e desajeitado, que se mete em encrencas e (quase?) compromete a aposta.

Fogg nunca ri, nunca se descontrola, nunca perde o norte. Não é ele que entra no templo, calçado, e é perseguido pelos sacerdotes, que lhe roubam os sapatos - é Passepartout. Não é ele que fala demais ao detective Fix, que desconfia que Fogg era o ladrão britânico e queria dar a volta ao mundo para despistar as autoridades - é Passepartout. Não é ele que se disfarça de brâmane quando o grupo vai libertar Aouda, a mulher que ia ser condenada à morte - é Passepartout. Não é ele que é raptado pelos índios Sioux nos EUA - é Passepartout.

Conclusão: Fogg continua na sua pose fleumática enquanto o mundo se desmorona à sua volta. Não se mexe, imperturbável, concentrado em vencer a aposta. Conseguirá dar a volta ao mundo em 80 dias? Mas Fogg é surpreendente. E corajoso. E rico (neste caso, talvez só se possa ser tão corajoso se se for tão rico). Quando vê que a linha do comboio não está terminada, em vez de ir a pé, compra um elefante. Quando Passepartout é raptado pelos índios, monta-se a cavalo e vai salvar o dedicado servidor.

Crença e imaginação

Jules Verne tornou-se famoso pelos seus livros de viagens e aventuras (muitos dizem que é o "pai" da ficção científica, a par de H.G. Wells, cujo livro "A Máquina do Tempo" também sairá nesta colecção). Muitas obras suas foram vistas como profecias científicas, histórias para adolescentes e adultos que captaram o espírito empreendedor da ciência, típico do século XIX.

É o que acontece neste "A Volta ao Mundo em 80 Dias" - só um homem crente nas evoluções tecnológicas da humanidade é que se mostra tão confiante em dar a volta ao mundo em 80 dias (contando já com imprevistos, atrasos, acidentes naturais e alterações climatéricas).

Mas é com base numa imaginação fértil e em muitas investigações geográficas que Verne pôde descrever com pormenor as paisagens exóticas da Índia, os portos da China e do Japão, o "skyline" de São Francisco ou as pradarias americanas.

Fogg (é quase "fog", quase nevoeiro) é, pois, um "fantasma que anda" (disse o pintor italiano Chirico). Deu a volta ao mundo para ganhar uma aposta. E não só. Se no início nunca se ria, no final (terá vencido?) é um homem feliz. "Podíamos ter feito a volta ao mundo em apenas 78 dias", diz Passepartout. "Sem dúvida", respondeu Fogg, "não atravessando a Índia; mas se não tivesse atravessado a Índia, não teria salvo Aouda; ela não seria minha mulher e..."

Que trouxe Fogg desta longa viagem (terá vencido?), senão cansaço, atribulações, histórias para contar e pouco dinheiro de sobra? "Nada, dirá o leitor?", pergunta Jules Verne. E responde: "Talvez; nada a não ser uma mulher encantadora, que, por mais estranho que pareça, fez dele o mais feliz dos homens! Muito francamente, quem não daria a volta ao mundo por muito menos?"





Livros que nos transportam para o plano da aventura da fantasia, da descoberta e da ficção, apelando à imaginação de cada leitor para criar as imagens, as personagens e os cenários.