POEMA LUNÁUTICO
POEMA LUNÁUTICO
1
Lua
cúmplice dos idílios
terrestres;
germinadora, agrária;
que a cidade grande
aboliu
com as suas
luas
enforcadas nos postes
da Light.
Lua
das frautas na rua
antiga ou
do luar do sertão
de Catulo, a mesmíssima
hoje,
onde os astronautas des-
ceram. Borboletas
num alvo
fruto.
Tocando, com pés de terra
o poético absoluto
de sua alvura.
2
Nunca tão belo o mundo
para se querer morrer,
tão sem razão para o
suicídio nuclear, dentro
do espectáculo
perpendicular,
lunar.
Fabricam-se mais bombas
do que se criam
pombas
nos pombais.
Como amanhecer
em meio a isto tudo
senão pela crença de que
cada dia
é uma pequena
ressurreição, até que
venha
a madrugada definitiva?
O nascimento do homem
novo
liberto do próprio homem
(sol saído de uma azul
casca de ovo)
3
Manchar o rosto à Lua,
o
seu pudor de flor com
pés
de terra,
sem conquistar o amor
que ela (de graça) nos
ensina;
conquistar a Lua, redondo,
pirilampo,
como se caça uma garça
no campo
sem conquistar o amor
que, por trás da vidraça,
ela nos ensina;
conquistar a Lua como
quem conquista, voadora,
uma mulher nua
sem conquistar o amor
que ela nos ensina:
o mesmo
que conquistar uma clave
de fá
a uma fa/
lua.
Bem menos que possui-la
em particular (tranquila)
sob a forma de luar
na rua.
Ou no Jardim Público
Onde Pã possui Selene
4
Ó Lua em quem
Aldrin,
Armstring,
Collins
desceram
alados
modul’ados.
Mesmo que o teu solo
seja áspero, desnudo,
nas fantasmagóricas
fotos espaciais,
dá-nos agora
o amor
(universal) que nos
ensinas
com o teu “mar
da Serenidade”
e nos terás dado tudo.
Mesmo que sejas
luscotriste
(sem ouro
nem prata)
dá agora a tua
s e r e n i d a d e
aos homens sôfregos que
governam o mundo;
e nos terás dado tudo.
CASSIANO RICARDO
in “Os Sobreviventes”
Livraria José Olympio Ed.
Rio de Janeiro, 1971
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