O SENTIR
O SENTIR
decanto as sílabas
das palavras
indizíveis
secretos discursos
das pirâmides
sagrado tempo
do silêncio
=
retenho do bosque
a memória dos pássaros
dos cheiros
flores em alvoroço
nas manhãs curtidas
pela chuva
dilata-se-me o corpo
nascido da terra
num frémito estranho
com o barro dos abrigos
construo
novas florestas
caminhos antigos
=
não contava todos os dias
o número de vimes entrelaçados
da esteira onde dormia
bastava-lhe reparar nos vincos
enrolados no corpo
e saber da noite
e assim
em cada cruzamento
mergulhava
ao longo da sua sombra
sabia de todas as teias
urdidas a partir da insónia
confuso labirinto
onde a memória
concebia o erro in-consciente
da verdade
=
cobre-me este volume
feito de palha e luar
não tem bermas
só há meio
caminho para lá chegar
o resto do trilho feito
na encosta da montanha
é todo trato da esperança
do rio alcançar o mar
=
tenho resmas de
papel em branco
como memórias
fragmentos
estórias
conceitos
abstractos
ausência
de marés
jangada
flutuando
no mar alagado
de sargaço
=
ser razão
entre quatro
desejos
nem deus
nem o diabo
como o sexo
dos anjos
ter a distência
nos olhos
e as mãos
no horizonte
=
no mistério
das madrugadas
esperei séculos
neste punhado de terra
lavei os olhos no mar
fonte de luz
=
o patamar da saudade
tem cinco pisos contados
em cada andar um sentido
em cada degrau o amor
pelo corrimão de ferro
húmida balaustrada
desliza o resto do corpo
solto da mão
preso a nada.
ALBERTO ESTIMA DE OLIVEIRA
in "Estrutura"
Edição do Autor
Patrocínio do Instituto Cultural de Macau
94 páginas
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