SONETOS
SONETOS
(XLIX)
Aqueles olhos que eu deixei chorando,
Cujas fermosas lágrimas bebia
Amor, com as suas tendo companhia,
Ante os meus se me vão representando.
Os saudosos suspiros, que arrancando
Duas almas, em que uma troca Amor fazia,
Que a que ficava era a que partia
E a que ia, a ficava acompanhando,
Aquelas brandas, mal pronunciadas
Palavras da saudosa despedida
Entre lágrimas rotas e quebradas
E aquelas alegrias esperadas
Da boa tornada, já antes da partida,
Vivas as trago, não representadas.
(XLVI)
A ti torno, Mondego, claro rio,
Com outra alma, outros olhos e outra vida:
Que foi de tanta lágrima perdida
Quanta em ti me levou um desvario?
Quando eu co o rosto descorado e frio
Soltava a voz chorosa e nunca ouvida
Daquela mais que Serra endurecida
A cuja lembrança inda tremo e esfrio.
Doce engano de amor! que me escondia
Debaixo de vãs sombras que passaram,
Outro ditoso fim que alma já via.
Já à minha noite amanheceu um dia;
Já riem os olhos que tanto choraram;
Já repouso em boa paz, boa alegria.
(XLVII)
Eu vejo inda aqui os sinais das águas,
Que minh alma estilou em vivo fogo,
Quando eu, trazido ao vento em leve jogo
Fazia soar ao longe minhas mágoas.
Inda o ardor daquelas vivas fráguas,
Inda a dureza ao piadoso rogo
Se me figura e vejo do meu fogo
Acesas ir correndo as mansas águas.
Inda daqules tristes meus gemidos
Uma voz ficou de todo não desfeita,
Sendo a cinza do fogo já apagada.
Mercê de Deus! que uma alma tão sujeita
A vãos cuidados, dias tão perdidos,
Refez numa hora bem-aventurada.
(XLVIII)
Quando se envolve o céu, o dia escurece,
Assopra o bravo vento, o alto mar geme,
O Sol se nos esconde, a terra treme,
Trovoa a noite, o raio resplandece,
Eu olho aquela parte onde esclarece
Um Sol, que eu vejo só, e ele só vê-me
E com sua luz, enquanto o Mundo teme,
De lá me alegra o esprito e fortalece.
Meu perpétuo Verão, meu claro Oriente,
Donde o dia me vem, donde douradas
Vejo as nuvens correr, os céus formosos!
Ditosas aves a que foram dadas
Penas, ditosa a terra, a que é presente
À luz destes meus olhos saudosos!
ANTÓNIO FERREIRA
in "Poemas Lusitanos"
Ed. Sá da Costa, 1957 (esgotada)
262 páginas
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