Quais as grandes questões que se colocam, hoje em dia, em época de Exames Nacionais?
20.07.2010 - 10:32 Por Fátima Inácio Gomes
Pela experiência que tenho, tanto como professora de Português que lecciona 12º ano, como de convivência com os restantes colegas, posso afirmar que o trabalho para os Exames Nacionais começou há muito. Em muitos casos, há três anos atrás, logo que os alunos entram no secundário. Os testes são pensados na mesma linha que os exames, as competências mais testadas nos exames são aquelas que são mais trabalhadas nas aulas e nos testes. Nesta fase, intensifica-se o trabalho, com aulas suplementares, com a presença dos alunos em aulas de apoio, quer na escola, quer fora dela.
Poderá o leitor pensar que este esforço, pelo menos no que diz respeito aos professores, é o resultado do seu ensejo em apresentar bons resultados. É natural que um professor deseje ter bons resultados, aliás, é expectável e desejável. Contudo, a maior preocupação dos professores prende-se, simplesmente, com os seus alunos, aquelas pessoas de quem conhece não apenas o nome mas, em muitos caos, a vida, com quem criou laços afectivos, a par dos escolares, e que atravessam um momento fundamental na definição do seu trajecto de vida. Não será pois de estranhar que seja esta uma área tão sensível e, tantas vezes, polémica. Aliás, se avaliarmos os últimos anos, facilmente poderemos chegar à conclusão de que a polémica se tornou em num ingrediente quase que imprescindível da época de exames. Será o resultado de uma maior atenção dos meios de comunicação social? Do acréscimo de examinandos? Da implicância de alunos e professores com o Ministério, com o Gave (Gabinete de Avaliação Educacional)?
Não podemos olhar para a questão de um modo tão ligeiro e, por estar dentro de este complexo mundo que é o dos exames, pretendo dar conta de algumas questões que passarão, certamente, desapercebidas à maior parte das pessoas. Perdoarão, contudo, certa ligeireza da expressão, já que o espaço não se adequa a análises extensas e aprofundadas.
Em primeiro lugar, e por merecer parangonas de jornais, não posso deixar de abordar a análise que é feita, aquando da saída dos resultados, entre a discrepância dos resultados dos exames e das classificações de frequência. Ninguém diz, ou parece ter interesse em mostrar, que os universos comparados têm tanto de semelhante quanto um Ferrari e um Fiat 600… ambos têm rodas, volante, carroçaria, janelas, bancos, até podem ser vermelhos, mas o seu desempenho não é, admitirão, comparável. Pois comparar os resultados dos exames e as CIFs (classificações internas finais) anda lá perto… Para começar, na avaliação escolar é necessário avaliar o “Ser”, ao que corresponde uma percentagem, assim como os outros trabalhos desenvolvidos, a evolução do aluno ao longo do ano, etc. Acresce que, nas disciplinas científicas, é obrigatório avaliar e classificar, com peso de 30%, a componente prática; no Português, 25% da nota deve ser para a avaliação da oralidade. Ora, estes são domínios que não são avaliados por exame – no exame avalia-se a componente teórica, escrita, a 100%. No caso da Física e Química, para dar um exemplo, essa componente vale, no máximo, 60% (os restantes serão os 30% para a componente prática e 10% para o “Ser”) - e querem, depois, comparar a classificação de exame, com o CIF do aluno?
Mas, quem faz estas análises e comparações são os jornais, o Ministério pode sempre alegar que não é responsável por estas leituras tendenciosas ou, para ser mais benevolente, desinformadas. Contudo, é da responsabilidade do Ministério, por exemplo, a organização do currículo. É da responsabilidade do Ministério a atribuição de dois blocos de aulas semanais a uma disciplina obrigatória para todos os cursos, com exame nacional, como o Português, que tem um programa extenso e complexo, quando disciplinas de opção, não sujeitas a exame, têm três blocos semanais, como a Sociologia, a Psicologia ou a Ciência Politica, e estou a falar de Cursos de Ciências. Curioso, ainda, é notar a liberalidade com que algumas escolas, que não as públicas, lidam com esta dificuldade, sem que o Ministério pareça aperceber-se: estando bem consciente da importância dos exames, tanto para a vida dos seus alunos como para o brilharete nos afamados rankings, há escolas que fazem de disciplinas como Área de Projecto ou Educação Física fachadas, pois nos seus tempos horários, é leccionado o Português ou a Matemática. Deixo as conclusões por conta do leitor…
Outro aspecto de enorme importância a contribuir para a “polémica” são os critérios de correcção. É verdade que sempre existiram, mas não é menos verdade que, hoje em dia, são eles a principal fonte de conflito. Já não se teme tanto a dificuldade de um exame, mas os critérios com que o exame vai ser corrigido. Esta alteração prende-se, substancialmente, com a alteração daquilo que poderemos chamar de “paradigma da avaliação”. Hoje em dia impera a quantificação – tudo deve ser o mais quantificável possível, reduzindo ao máximo qualquer variável, particularmente aquelas que não se dominam, que interfira na análise dos resultados e, especialmente, na sua medição. Nesse sentido, tem-se verificado que, cada vez mais, os exames tendem a reduzir o mais possível o campo subjectivo, multiplicando-se os exercícios de escolhas múltiplas, respostas fechadas, verdadeiros e falsos, mesmo nas disciplinas ligadas às humanidades. Mas nem as disciplinas científicas, à partida mais objectivas, têm escapado: os “casos” têm-se multiplicado e em todos eles há um padrão – o domínio do “pensamento único” e a inflexibilidade dos critérios de correcção, assim como daqueles que estão à cabeça da gestão dos mesmos. Para exemplificar, basta usar dois exemplos (que não são únicos, mas não me quero alongar) do ano passado: Exame Nacional de Física e Química do 11º ano – numa questão, o aluno teria que mencionar duas riscas negras na região do amarelo; se o aluno referisse duas riscas escuras tinha zero pontos, mesmo quando muitos manuais escolares usam esta classificação; sequer são permitidos descontos – só depois de muita contestação por parte dos correctores é que o Gave acedeu a validar esta resposta; Exame Nacional do 9º ano, Língua Portuguesa – numa das questões, sobre duas estrofes de “Os Lusíadas”, era pedido que o aluno redigisse “um texto expositivo, com um mínimo de 70 e um máximo de 100 palavras” sobre o teor dessas estrofes – o aluno que respondesse bem a toda a questão, com correcção e, até, qualidade de escrita, mas esquecesse referir uma das três personagens históricas, teria zero pontos (seria mais simples, e justo, descontar, não acham?); aquele que referisse a existência de um rei, mesmo que lhe trocasse o nome, já teria cotação atribuída, no mínimo de 3 pontos; ou então, na pergunta “O rei refere-se ao príncipe como sendo demasiado senhor do seu nariz. Explicita o sentido desta expressão.”, quem respondesse “o príncipe é muito autónomo, só faz o que lhe apetece” teria cotação, se respondesse “o príncipe só faz o que quer” teria zero – parece-lhe disparatado? Redutor? Também a nós, mas foi preciso muita contestação para que a resposta pudesse ser considerada. E, a propósito, nunca ninguém falou, oficialmente, do número de declarações formais de protesto, apresentadas pelos professores correctores.
Considero importantíssimo que existam critérios, particularmente para garantir justiça e equidade entre milhares de alunos e centenas de correctores. Mas daí a transformar os alunos em máquinas reprodutoras de respostas formatadas e professores em classificadores acríticos vai uma diferença bem grande. Entre a possibilidade de aferir resultados sem margem de erro e a possibilidade de oferecer um espaço em que a criatividade e a originalidade se destaquem, eu opto pela segunda. Será por ser de humanidades…
Professora da Escola Secundária de Barcelos