Há pouco mais de um mês, a Ministra da Educação, Isabel Alçada, afirmou que o Gabinete de Avaliação Educacional do seu ministério (GAVE), responsável pela elaboração de todas as provas do actual sistema nacional de avaliação do ensino, é uma entidade com "autonomia e independência" formada por "profissionais competentes e conceituados". Não duvido que esta afirmação corresponda a algo em que a senhora ministra acredita. Convém no entanto esclarecer que, pelo menos no que toca à Matemática, há questões que devem ser colocadas.
De facto, a grande maioria dos enunciados das provas de aferição e exames nacionais de Matemática dos últimos anos não se enquadram no que deve ser uma avaliação independente e competente.
Uma avaliação independente e competente deve produzir resultados que reflictam de forma fiável e comparável ao longo do tempo o nível de conhecimentos que os alunos têm quando terminam cada ciclo de estudos. Em particular:
(i) um determinado resultado numa prova nacional de Matemática no final de um determinado ciclo de estudos deve corresponder a um nível razoável de conhecimentos de Matemática adquiridos ao longo desse ciclo;
(ii) o nível de conhecimentos necessário para ter uma determinada classificação em 2006 não deve ser muito diferente do necessário para ter a mesma classificação em 2008 ou em 2010.
Ora, as provas de aferição e exames nacionais de Matemática produzidos pelo GAVE nos últimos anos não satisfazem estes requisitos básicos. Por um lado, a grande maioria das suas perguntas ou são demasiado elementares ou avaliam matéria do ciclo de estudos anterior, sendo que várias têm estas duas características. Por outro lado, os seus resultados variam tanto de ano para ano que é impossível saber qual o seu significado real.
A Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), através do seu Gabinete do Ensino Básico e Secundário, tem chamado a atenção para este problema. Em particular, tem elaborado no próprio dia de cada prova de Matemática um parecer sobre o enunciado da mesma. No último, relativo às Provas de Aferição do 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico, criticou fortemente a prova de Matemática do 2º ciclo em que cerca de metade das perguntas eram de 1º ciclo. Este facto implica em particular que os resultados desta prova não permitirão tirar qualquer conclusão fiável sobre o nível de conhecimentos de Matemática que os alunos adquiriram no seu 2º ciclo de estudos.
Uma crítica deste tipo deveria preocupar o Ministério da Educação e questionar o funcionamento do GAVE. Isso não parece ter acontecido.
A anterior Ministra da Educação tinha sido bastante clara sobre o que pensava dos que criticavam a actuação do Ministério, em particular do GAVE. Na sequência de mais um parecer da SPM, onde se dizia que o enunciado do Exame Nacional de Matemática A - 1ªfase de 2008 tinha um grau de dificuldade inferior ao do ano anterior, Maria de Lurdes Rodrigues afirmou o seguinte:
“Não é sério nem credível contrapor os serviços que fizeram estas provas e que elaboraram relatórios técnicos a umas pessoas que acordam de manhã e que dizem que o exame foi fácil de mais, criando alarmismo entre pais, professores e alunos. A avaliação sobre a complexidade que tem sido feita é pouco rigorosa.” (Público, 24 de Junho de 2008)
Como se sabe, a média nacional dos alunos internos que fizeram este exame foi de 14,0, quando no ano anterior tinha sido de 10,6. Uma diferença tão significativa num espaço de tempo tão curto apenas permite concluir que um "Bom" em 2008 correspondeu a um "Suficiente" em 2007. Independentemente do rigor que é possível conseguir nas poucas horas que a SPM tem para elaborar os seus pareceres, a independência e competência dos professores de Matemática que com ela colaboram foi suficiente para perceber o facto óbvio que escapou ao Ministério durante todo o ano que teve para fazer o exame e elaborar "relatórios técnicos": o exame foi fácil de mais.
Convém também recordar que no ano seguinte, 2009, o parecer da SPM relativamente ao mesmo exame nacional começava da seguinte forma:
"A SPM considera que a prova de exame do 12.º ano de Matemática A que hoje se realizou é mais razoável que a do ano anterior. Sem ser difícil, não é escandalosamente fácil."
Como se sabe, a média dos alunos internos desceu então de 14 para 11,7. Maria de Lurdes Rodrigues atribuiu esta descida à difusão, pela comunicação social, “da ideia de que os exames eram fáceis”, no que foi secundada pelo seu Secretário de Estado, Valter Lemos, que alargou o leque de responsáveis, juntando a Sociedade Portuguesa de Matemática e “partidos e pessoas com responsabilidades políticas”. (Público, 7 de Julho de 2009)
Nada me leva a crer que a actual Ministra da Educação, Isabel Alçada, considere que a SPM é formada por “umas pessoas que acordam de manhã e que dizem que o exame foi fácil de mais” ou que é culpada pelas enormes flutuações das médias nacionais nos exames. Espero que a veja como aquilo que é: uma sociedade científica muito preocupada com o estado a que chegou o ensino e avaliação da Matemática em Portugal e interessada em contribuir para a sua melhoria. Tal como a senhora ministra, acreditamos numa avaliação independente e competente. Há que ter a coragem necessária para a implementar.
Presidente eleito da Sociedade Portuguesa de Matemática