O período que antecede o da realização dos exames nacionais do 9.º, 11.º e 12.º anos é muitas vezes vivido com enorme angústia, como se fosse o mais importante de um ano lectivo. E dada a pressão que se cria em torno destas provas, por parte de direcções das escolas, encarregados de educação, sociedade em geral (que inclui os próprios professores e alunos), pode questionar-se a sua pertinência no efectivo sucesso do processo de ensino-aprendizagem.
Os exames são defendidos pela maioria dos agentes do sistema educativo, dos quais excluo, para já, os examinandos, para quem provas feitas por terceiros (que não os próprios professores) são uma injustiça atroz. Mas quem os vê com bons olhos acredita que servem, por um lado, para responsabilizar professores, alunos e pais, alegando que, caso se realizem provas a uma dada disciplina, os programas são cumpridos num esforço titânico, com aulas de apoio ao longo de todo o ano, onde se resolvem exames dos anos anteriores e testes baseados nestes, para lá do reforço de exercícios variados, sendo atribuído um peso notório aos conteúdos, resultando daqui uma avaliação mais exigente; dizem também que os alunos, autónomos, resolvem livros de exercícios inteiros e estudam mais para as disciplinas que implicam provas; finalmente, afirmam que os pais colaboram e se envolvem assiduamente, acompanhando a evolução dos seus educandos, comprando livros de apoio e pagando explicações. Por outro lado, consideram que a aferição de conhecimentos adquiridos pelos alunos, através de provas ditas “externas”, é uma forma de esbater fronteiras preconceituosas entre escolas do tipo A, consideradas “melhores”, “mais exigentes” e com “melhores recursos”, e escolas do tipo B, que são todas as outras (para não falar nas de tipo C). Sabem que a partida para uma corrida entre uma escola de tipo A e uma de tipo B nunca se dá no mesmo ponto da estrada, contudo, pode eventualmente haver um empate na chegada, atendendo à classificação quantitativa obtida numa mesma prova. E neste sentido fala-se da escola em Portugal e não das escolas em Portugal.
Sintetizando o exposto, há quem acredite que os exames tornam o ensino mais exigente, devido à importância atribuída aos conteúdos, à exercitação e treino e ao cumprimento de programas (que, embora considerados extensos e inexequíveis, são forçosamente trabalhados de fio a pavio).
Face a este cenário, é impossível não pensar no que pode acontecer quando uma determinada disciplina não é avaliada externamente (e são muitas). Os programas podem ficar por cumprir, se o professor não tiver tempo nas horas previstas, se não dispuser de aulas de apoio, e se não procurar colmatar o que faltou leccionar com trabalhos, por exemplo, a realizar individualmente pelo aluno em casa, mas supervisionados por ele e pelos pais. Também os testes podem ter um grau de exigência menor ao que supostamente deveriam ter, uma vez que o docente não segue modelos de exames feitos externamente, porque não os há. As notas atribuídas aos alunos ficam dependentes quase totalmente dos critérios internos de cada disciplina e de cada escola, traçados e aprovados subjectivamente por cada direcção, dependendo de factores muito díspares. As classificações altas podem ser atribuídas sem que os objectivos exigidos tenham sido plenamente atingidos pelos alunos, caso estes aleguem que o foram, pressionando o professor, sem muitas vezes conhecerem esses mesmos objectivos.
Etc. Etc.
Este é um cenário fictício, certamente. Não se pode acreditar que os exames sejam os principais responsáveis pelo cumprimento de programas, por um maior envolvimento dos alunos e dos pais, por uma avaliação efectiva do trabalho realizado nas escolas. Deve haver, com certeza, resultados aferidos periodicamente, ao longo do ano, a fim de se irem traçando ou ajustando estratégias para um ensino mais exigente. Tem de haver mais qualquer coisa que faça “funcionar” efectivamente o ensino em Portugal, para lá desta avaliação externa, que só ocorre em três anos de escolaridade, precisamente no final do terceiro ciclo e em dois anos do ensino secundário, e cujos resultados são reduzidos a uma média que não pode nunca traduzir a verdadeira aprendizagem dos alunos, feita em dez longos meses. O Ministério, creio, tem os seus mecanismos de avaliação para perceber se há exigência em todas as escolas, em todos os graus de ensino e em todas as disciplinas, não se limitando a olhar impávido e sereno para o chamado ranking de escolas, feito exclusivamente a partir de resultados obtidos em provas externas, com as escolas tipo A a ocupar os primeiros lugares, como se as outras não tivessem feito nada ou quase nada.
Neste sentido, falar de exigência no ensino ultrapassa a palavra exames nacionais, e em todas as circunstâncias devem ensinar-se todos os conteúdos previstos nos diferentes programas (pensados por especialistas), desenvolver-se competências, exigir-se trabalho a todos os seus agentes, o que inclui uma efectiva colaboração dos pais. Os exames nacionais valem o que valem – são apenas uma prova feita no final de ano lectivo, que conta objectivamente para a média do aluno, mas que é igual a tantas outras provas por que este passa no processo do crescimento, maturação, desenvolvimento intelectual e cívico.
A angústia vivida no período de realização de exames devia ser sentida sempre que cada um pensa na educação que quer no seu país e naquela que há.
Se, no pior dos cenários, e numa disciplina que não inclua avaliação externa, houver notas “insufladas”, incumprimento do curriculum e facilitismo, então deve fazer-se uma avaliação para perceber quem e o que está a falhar. Os exames nacionais, feitos em anos terminais de ciclo, são muito válidos, mas como complemento de um exame de consciência sobre o ensino e aprendizagem, a ser realizado todos os dias e em todas as escolas – bem orientado pelo Ministério da Educação, que se deve reger pelo princípio da exigência e não por gráficos, pautas e rankings mal calculados.
Professora de Português