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  A Indonésia comprometeu-se com a administração transitória da ONU em Timor-Leste a pagar as pensões de reforma aos seus funcionários públicos, como, aliás, já faz Portugal
 
   
   
 

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100 mil contos por mês

Registo de pensionistas em Díli
À espera do dinheiro de um odiado ex-patrão
Terça-feira, 11 de Setembro de 2001
Por Luciano Alvarez, em Díli

Timorenses reformados da função pública indonésia nos tempos da ocupação começaram a registar-se para receber o que têm em dívida. As esperanças de receber são, porém, poucas

As filas nas casas onde se faz fotos tipo passe e nas lojas com fotocopiadoras começaram logo ao início da manhã. Todos queriam chegar cedo ao Estádio Municipal de Díli para garantir os lugares na frente na última e mais longa fila da manhã. No estádio morava a esperança de todos. Uma esperança, ainda que ténue, de mais de mil homens e mulheres com a pele já enrugada pelos muitos anos de vida e que esperam ainda receber as pensões em dívida pelos anos de trabalho que deram aos que lhes ocuparam a terra durante quase 25 anos.

Não os preocupa ou envergonha procurar receber algumas rupias, por poucas que sejam, dos que em tempos foram o seu pior inimigo. Chamaram-lhes, quando ainda eram homens com força para trabalhar, funcionários públicos da 27ª Província da Indonésia. Também não lhes interessa se isso era uma mentira. Nunca cruzaram os braços ao trabalho e por isso querem receber o que têm direito e que está em atraso há dois anos.

O Estado indonésio comprometeu-se com a administração transitória das Nações em Timor-Leste a pagar as pensões de reforma aos seus funcionários públicos, como, aliás, já faz Portugal com os seus trabalhadores do tempo colonial (ver texto nesta página). Depois de muitos avanços e recuos, ontem, chegou finalmente o dia de entregarem as provas que mostram que trabalharam para a Indonésia e que têm direito a reforma. Mesmo sem saber se vão receber, ou mesmo a quanto têm direito, encheram as imediações do estádio de Díli. Porque tudo o que vier, mesmo que pouco, é muito para quem vive de esmolas.

Por isso, esperam pacientemente pela sua vez de entregar os papéis velhos como eles e que seguram delicadamente nas mãos. "Fui jardineiro durante mais de 20 anos. Muitas destas árvores fui eu que plantei e tratei", afirma João Aparício, um homem mais de 70 anos. Mostra de pronto as fotocópias da sua ficha de funcionário público da Indonésia. Junto traz outras folhas, estas originais e muito mais velhas. São folhas de pagamento "do tempo em que trabalhava para os portugueses". "Guardei-as até hoje", diz com orgulho, revelando logo a seguir que não as deixou para trás mesmo quando de teve de fugir no "Setembro negro" de 1999.

Não lhe servem de nada ali, mas talvez ainda lhe venham a ser úteis quando for tratar dos papéis "para receber de Portugal".

"Para isso tens de lá ir, conversar, ver o que é preciso, porque os portugueses pagam certo", diz-lhe Francisco Ximenes, que recebe uma pensão de 76 contos de Portugal e agora espera "receber mais algum da Indonésia". "Trabalhei com os dois, tenho direito a duas reformas", assegura o senhor Ximenes, inspector bancário no tempo dos portugueses, funcionário na direcção do Ministério da Economia em Díli no tempo dos indonésios.

O senhor Ximenes calcula, "assim por alto", que "serão para aí uns 700" os pensionistas que têm direito a reforma indonésia, embora admita que alguns dos cerca de 20 mil funcionários que trabalhavam na administração pública no dias da ocupação "também já tenham atingido a reforma". "Não temos grande esperança de receber, mas como temos esta oportunidade estamos a tentar. Nunca nos deram nada, só nos roubaram...", afirma, encolhendo os ombros, o ex-funcionário do Ministério da Economia indonésio.

Francisco Xavier deixa a sombra da árvore onde se abriga enquanto espera pela sua vez para se juntar ao grupo que cerca o jornalista. Traz uma camisa florida em tons de castanho. É a camisa da farda do departamento em que trabalhava (os funcionários públicos indonésios têm várias fardas de trabalho, diferentes de ministério para ministério). O senhor Xavier era funcionário do "departamento de limpezas públicas" da Câmara Municipal de Díli.

Este sexagenário de sorriso simpático assegura que ainda não conseguiu fazer prova dos tempos em que foi "agente da Polícia de Segurança Pública de Portugal", por isso tenta agora garantir a reforma que os 18 anos de serviço na Câmara de Díli lhe dão direito. "Tenho mais esperança de receber de Portugal que da Indonésia. Estes [Indonésia] devem-me muito mais que uma reforma", afirma, soltando uma só palavra antes de virar as costas ao grupo. "Bandidos."

Aliás, nenhum deles poupa palavras pouco abonatórias ao seu ex-patrão. Estão ali porque a UNTAET lhes disse que tinham o direito a receber as pensões e porque "há o exemplo de Portugal, que paga todos os meses". As esperanças são, porém, poucas. Francisco Ximenes resume o estado de espírito do grupo numa dúzia de palavras: "Se nos pagassem as reformas, a seguir tinham de nos pagar o país que destruíram."

E, no entanto, esta gente com pouca confiança e nenhuma simpatia pelo ex-patrão continua à espera nas longas filas, tentando resguardar do sol forte os corpos curvados por uma vida longa. As esperanças são poucas, mas se vier algo será bem-vindo. E nem lhes interessa que possa vir do ex-inimigo, porque para muitos representa o pão que hoje lhes falta em casa.



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