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  A Constituição timorense vai contemplar os princípios basilares de um estado democrático, com um regime semi-presidencialista, laico, e que promove e defende os direitos fundamentais dos cidadãos
 
   
   
 

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Uma Constituição Democrática
numa República de língua Portuguesa
Segunda-feira, 10 de Setembro de 2001
Por Luciano Alvarez, em Díli

O projecto da Fretilin para a futura República Independente de Timor-Leste, a que o PÚBLICO teve acesso, consagra o português como língua oficial, rejeita a pena de morte e protege os veteranos da luta pela independência.

A Fretilin, partido que venceu as eleições timorenses do passado dia 30 com maioria absoluta, tem já elaborado o projecto da Constituição que vai propor à Assembleia Constituinte que tomará posse dia 15. O documento a que o PÚBLICO teve acesso é muito idêntico à Constituição portuguesa e contempla os princípios basilares de um estado democrático, com um regime semi-presidencialista, laico, e que promove e defende os direitos fundamentais dos cidadãos de uma forma inequívoca.

O "Projecto de Constituição da República Democrática de Timor-Leste (RDTL)", assim se chama o documento que a Fretilin já fez chegar à administração das Nações Unidas, diz que os símbolos nacionais, uma das questões que mais divide os partidos, serão definidos por lei, não faz qualquer referência à data da independência, outra das questões polémicas, mas deixa claro que português é a língua oficial da futura RDTL.

O português surge como língua oficial da RDTL no projecto de Constituição da Fretilin; no manifesto político do partido antes do acto eleitoral, esta questão era deixada em aberto e, já depois de conhecidos os resultados das eleições, os principais dirigentes do partido, sem nunca se manifestarem contra o português, deixaram claro que essa era uma questão que ainda iria ser analisada.

A língua, como qualquer dos 123 artigos que completam o projecto da carta fundamental da futura RDTL, pode ainda vir a ser alterada, já que a Assembleia Constituinte tem um prazo de 90 dias para elaborar a Constituição que depois será votada pelo parlamento, embora sempre de acordo com a vontade da Fretilin, que, graças ao apoio total já assegurado pelos seis deputados eleitos pela Associação Social-Democrata Timorense, garante a maioria de dois terços do parlamento.

O primeiro capítulo do projecto define os Princípios Fundamentais da futura República, resumidos no seu primeiro artigo: "A RDTL é um Estado de direito democrático, soberano e independente baseado na vontade popular e no respeito pela dignidade humana."

Princípios que são apresentados como Objectivos do Estado (Artigo 7), que se compromete a "defender e garantir a soberania do país"; assegurar e promover "os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático"; "a democracia política e a participação popular na resolução dos problemas nacionais"; garantir o "desenvolvimento da economia, do progresso da ciência e da técnica"; promover "a edificação de uma sociedade de justiça social, criando o bem estar material e espiritual dos cidadãos"; proteger "o meio ambiente e preservar os recursos naturais; afirmar e valorizar "a personalidade e o património cultural do povo timorense" e garantir "o desenvolvimento de relações de amizade e cooperação entre os povos e estados".

Valorização da resistência e não à pena de morte
O sufrágio universal e o multipartidarismo são também intransigentemente defendidos, bem como a solidariedade com "a luta dos povos pela libertação nacional" e a separação entre o Estado laico e as confissões religiosas a que deve respeito.

A valorização dos que lutaram pela independência merece um artigo especial: "A RDTL reconhece e valoriza a resistência secular do Povo Maubere contra a dominação estrangeira (...) e assegura protecção especial aos deficientes, órfãos e outros dependentes daqueles que dedicaram as suas vidas à luta pela independência e soberania nacional."

No capitulo dedicado aos Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais, o projecto de Constituição da Fretilin comporta 26 artigos. O primeiro garante o direito à vida "que é inviolável" e assegura que "na RDTL não há pena de morte".

Seguem-se o direito à liberdade, integridade e segurança, à aplicação da lei criminal e ao limite das penas - que não estão definidas, mas fica claro que não haverá "prisão perpétua ou medida de segurança de duração ilimitada ou indefinida".

O capítulo dos Direitos Liberdades e Garantias comporta ainda a "presunção de inocência", os direitos dos arguidos a escolher o seu defensor, garantindo que serão "nulas e sem efeito todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa à integridade física ou moral", bem como "intromissão abusiva na correspondência ou nas telecomunicações". A extradição "só pode ter lugar por decisão judicial" e, "por motivos políticos", está vedada.

Todo o cidadão timorense tem, de acordo com o projecto da Fretilin, direito ao nome, à honra e privacidade e à inviabilidade do seu domicílio e correspondência. Está também assegurado o não tratamento informático "de todos os dados pessoais referentes à vida privada, convicções políticas, filosóficas, religiosas, de filiação partidária ou sindical".

Segue-se, como em qualquer lei fundamental que tenha como principio o Estado democrático, o direito à liberdade de expressão e informação, de reunião e manifestação, de associação, movimentação, de consciência, religião e culto e participação "por si ou através de representantes democraticamente eleitos, na vida política e nos assuntos públicos do país".

O direito ao sufrágio tem uma alteração em relação ao que se verificou no referendo de 1999 e nas eleições para a constituinte do passado dia 30 de Agosto. Nestas duas eleições podiam votar maiores de 17 anos, enquanto no projecto da Fretilin a idade mínima para o voto passa a ser de 18 anos. No que respeita aos partidos políticos a sua formação será regulamentada por uma lei própria, embora esteja assegurado neste projecto o direito a todo o cidadão a constituir ou a participar num partido político.

O capítulo dedicado aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais também não deixa dúvidas quanto aos princípios mais elementares de justiça e democraticidade. Comporta os princípios fundamentais do direito ao trabalho, à greve, promove a liberdade sindical e o direito à propriedade privada. O Estado deverá também promover e organizar sistemas e serviços nacionais no que respeita aos direitos dos cidadãos, à segurança e assistência social, saúde, educação e cultura, ensino e educação física e desportos.



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