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  Apesar de tudo, Sérgio Vieira de Mello reconhece que a UNTAET podia ter feito melhor
 
   
   
   
 

As 20 principais conquistas
da UNTAET

UNTAET: Uma missão sem livro de instruções
Por Luciano Alvarez
Quinta-feira, 30 de Agosto de 2001

No dia em que se comemora o segundo aniversário do referendo de 30 de Agosto de 1999 e passados quase dois anos sobre sua chegada a Timor, Sérgio Vieira de Mello aceitou fazer um balanço do trabalho da ONU no país. Um balanço que, apesar das críticas que lhe são frequentemente feitas, não tem dúvidas em classificar como extremamente positivo. Reconhece, porém, que a UNTAET podia ter feito melhor, mas defende-se com o facto de as Nações Unidas nunca terem tido uma experiência como esta: "A missão que me foi atribuída não trazia livro de instruções."

Timor comemora hoje uma das datas mais importantes da sua história. Foi a 30 de Agosto de 1999 que os timorenses disseram "não" à integração na Indonésia, num dos passos mais significativos para alcançar a independência. O segundo aniversário do referendo não podia ter melhor comemoração do que a realização das primeiras eleições livres e democráticas daquele que será o primeiro país do século XXI. Mas as eleições para Assembleia Constituinte de hoje são também o primeiro passo para a transferência do poder da administração da ONU para as mãos dos timorenses, o que acontecerá em definitivo em meados do próximo ano, quando for declarada a independência.

A UNTAET chegou ao território há quase dois anos (Outubro de 1999), e se a maioria dos timorenses reconhece que o seu trabalho foi positivo, muitas críticas vão também surgindo na voz do povo e dos seus líderes políticos. Críticas conhecidas que vão, acima de tudo, para a lenta reconstrução física do território e para a chamada "timorização", a integração dos timorenses na administração pública, especialmente nos cargos de maior responsabilidade.

Sérgio Vieira de Mello, o administrador transitório da ONU, reconhece que havia coisas que já gostava de ter feito nesta altura, mas quando se lhe pede que faça um balanço solta números atrás de números, factos atrás de factos, remetendo os jornalistas para um longo documento sobre o trabalho da UNTAET no território. "Peço-lhes que olhem em vosso redor. Vejam o que está feito, tendo sempre em conta o estado em que estava este país em Outubro de 1999, quando aqui chegámos", tem repetido vezes sem conta às centenas de jornalistas que se encontram em Timor-Leste para a cobertura das eleições.

Reconhece, porém, que há "falhanços e frustrações". Quando questionado, em conversa com o PÚBLICO, sobre as críticas que são feitas à ONU, Sérgio Vieira de Mello diz que gostava de ter feito mais. Ou até que já devia ter sido feito mais.

"Gostava de ter reparado e reconstruído a totalidade das estradas de Timor-Leste, talvez isso já devesse ter sido feito. Gostava de ter reconstruído e reparado mais escolas e clínicas e mais depressa do que estamos a fazer. De ter redimensionado a agricultura, também mais depressa do que está a acontecer. Gostava de ter uma melhor ligação do território com o enclave de Oecussi, com pelo menos uma ligação diária para pessoas e bens. Podia apresentar, de facto, uma longa lista de frustrações, porque elas existem", refere.

"Podíamos ter feito mais e melhor? Sim", acrescenta, avançando logo a seguir com os seus porquês para aquilo a que chama frustrações. "Costumo brincar, dizendo que a resolução da ONU que nos foi atribuída não trazia livro de instruções. Dizia que tínhamos total autoridade executiva e legislativa, incluindo a administração da Justiça, mas não me dizia como o fazer. E a ONU nunca tinha tido uma experiência destas, talvez com excepção do Kosovo. Só que o Kosovo não nos podia dar qualquer experiência para Timor, porque as duas missões avançaram quase simultaneamente. E Timor é uma missão muito mais ambiciosa que a do Kosovo", afirma.

"Claro que podíamos fazer mais, claro que há atrasos, mas, por favor, olhem à vossa volta. Alguém me pode dizer que este país não está a funcionar a todos os níveis, que não está a avançar? Não", acrescenta.

Para o diplomata brasileiro, há um facto que explica os atrasos no trabalho da UNTAET em Timor. O facto de "não ter sido possível" trazer para o território logo no início da missão "equipas internacionais experientes em matéria de governação, em economia, em questões de imigração, justiça, segurança".

"Essas equipas, no entanto, não podiam vir mais cedo para Timor devido à situação em que se encontrava o território e face à nossa inexperiência numa missão que era totalmente nova para nós. Vieram bastante tarde e teriam sido fundamentais logo no início, para me ajudarem a erguer o país mais depressa."

Este facto é, para Sérgio Vieira de Mello, "uma das grandes lições" que a ONU tem de tirar da administração em Timor para situações semelhantes que possa vir a ter de enfrentar noutras partes do mundo. "Da próxima vez temos de avançar logo de início com equipas experientes. Temos de conseguir acordos com os diversos governos para que possam dispensar rapidamente essas equipas de gente experiente em matérias fundamentais."

Sérgio Vieira de Mello acha, contudo, improvável que a ONU tenha de enfrentar novamente uma missão com as características das de Timor-Leste. Ainda assim, a "muito válida experiência adquirida" pode, segundo afirma, ajudar "a resolver problemas" noutros países: "Provavelmente em África, nos chamados Estados-colapso, que necessitem de ser reconstruídos, a experiência que ganhámos aqui poderá ser muito útil. Mas vai ser difícil a ONU vir a ter outra missão como esta. Com as dificuldades que esta apresentava."

"Timor é uma lição e continua a ser uma lição para todos. Uma lição com resultados muito positivos", conclui.



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