Os "Gangs", o Ministro e a Actriz
Por Ricardo Dias Felner
Terça- feira, 11 de Setembro de 2001

O início do fenómeno ocorre no final da década de oitenta. Mas só no Verão - quente - de 2000 o problema ganhou espaço na agenda mediática e política. Entre as vítimas da violência juvenil conta-se o ex-ministro Fernando Gomes e Lídia Franco

Foi uma actriz que inscreveu definitivamente o fenómeno da delinquência juvenil na agenda dos media. No dia 20 de Julho do ano passado, o país acordou com o relato exaltado de Lídia Franco nas televisões e nas rádios, vítima de um assalto violento na CREL. Durante essa madrugada, um grupo de jovens ao volante de velozes carros causou o pânico nas estradas da periferia da Grande Lisboa, roubando e agredindo diversas pessoas, entre as quais a actriz da telenovela "Jardins Proibidos".

A Polícia Judiciária acabaria por identificar uma dezena de jovens, dos quais apenas dois eram maiores de idade. Os restantes oito foram entregues ao Instituto de Reinserção Social ou presentes ao Tribunal de Menores.

O país sobressaltou-se. Na memória ainda estava o episódio do comboio da Linha de Cascais, representado um mês antes por quase meia centena de crianças e adolescentes, boa parte deles fugidos dos chamados colégios de correcção para onde iriam ser levados os assaltantes da CREL. De repente, toda a gente creditava os alertas antigos, até então envergonhados, das polícias, relativamente à delinquência juvenil.

O ministro da Administração Interna, Fernando Gomes, apressou-se a conter o pânico, anunciando a afectação de mais agentes para a capital, e dando conta de novas medidas preventivas aprovadas poucos dias depois.

Do pacote de iniciativas, ressaltava a regulamentação da nova lei tutelar de menores (actualmente em vigor), cuja principal novidade é separar os jovens delinquentes das vítimas, estabelecendo-se três regimes de internamento: aberto, semi-aberto e fechado.

Ainda assim, a oposição não se contentou e explorou a crise com sucesso, até ao tombo do ministro. Paulo Portas surgiu à cabeça dos críticos, avançando com um polémico projecto-lei em que propunha que os menores passem a ser imputáveis criminalmente a partir dos 14 anos. Durão Barroso fica-se pelos 15 anos. Um e outro foram chumbados.

Governo anteriores já conheciam fenómeno
Embora inábil na gestão da crise, com erros de "timing" e de linguagem, a responsabilidade pelo clima de insegurança vivido nesse verão quente de 2000 não poderia, por tudo isto, ser imputada ao ministro do Porto. Outros responsáveis pela pasta da Administração Interna, com mais tempo para estancar a violência que alastrava nas periferias das grandes cidades, haviam negligenciado de forma mais censurável o problema. Neste contexto, Fernando Gomes acaba por ser afastado sobretudo pelos conflitos decorrentes com os colegas de Governo - nomeadamente com António Costa -, pela antipatia que gerava dentro das próprias polícias, e pelos comentaristas da imprensa. Os pequenos delinquentes do comboio e da CREL limitaram-se a dar o empurrão final.

O crescimento da delinquência, de carácter grupal e juvenil, havia sido indicado anos antes. Em 1995, o Serviço de Informação e Segurança (SIS) entregou um relatório ao Governo em que alertava a tutela para "um aumento de insegurança nas áreas circundantes a bairros degradados, perfeitamente localizados, e onde a maioria da população é negra", citava "A Capital".

Um outro relatório, elaborado pelo gabinete do Procurador Geral da República Cunha Rodrigues em 1998 - destinado a apreciação interna -, dizia preto no branco que o fenómeno da delinquência juvenil vinha aumentando desde o início da década de 1990. "Desde 1992, Portugal vê crescer significativamente o número de jovens delinquentes que actualmente, ultrapassa já os três milhares", lê-se no documento, que sublinha o aumento do fenómeno entre 1994 e 1998, com uma taxa de variação da ordem dos 18 por cento (em 1998, são identificados ou dados como suspeitos 3614 menores, mas o autor estima que o número de delitos real seja oito vezes superior).

Já o ano passado, segundo o Relatório de Segurança Interna do MAI, verificou-se um aumento de 8,5 por cento no número de menores identificados pelas forças de segurança, pela prática de crimes. O estudo confirma a distribuição geográfica de anos anteriores - com Lisboa a significar o grande núcleo, seguido do Porto, Setúbal e Braga - e justifica o aumento de participações pelo facto de existirem muitos menores reincidentes, e não pelo crescimento do número de autores.

 

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