Passaporte para o Futuro
Por Lurdes Ferreira
Quarta-feira, 05 de Setembro de 2001


Não há economia competitiva se não apostar na produtividade. A condição que passou a prioridade política e económica não deixa ninguém de fora. Nem Estado, nem patrões, nem trabalhadores

Nunca o país falou tanto em produtividade, nem nunca teve tanta consciência da falta dela. Qualquer que seja o ângulo e o critério de cálculo, o indicador da eficácia nacional na relação entre a quantidade do que produz e a quantidade de recursos que utiliza (factores de produção) emite, nos últimos anos, avisos cada vez mais sérios. Os primeiros citados foram os da OCDE: Portugal tinha, em 1997, a mais baixa taxa de produtividade por hora, à excepção da Turquia, e equivalendo a metade da média. Na comparação com a União Europeia, o país estava, em 1999, em 76 por cento do PIB "per capita" médio dos Quinze, mas apenas em cerca de 60 por cento da sua produtividade média. Desde então que o cenário tende para pior e, embora os dados reflictam o estado do país, este resulta do estado de cada uma das suas empresas.

Depois do diagnóstico, que evidenciou também uma travagem no crescimento dos tais ganhos de eficácia, ao longo da década de 90, sobretudo na segunda metade, a produtividade foi convertida em prioridade política e económica, há ano e meio. O meio escolhido para a trabalhar foi dinamizar, no âmbito do Conselho Económico e Social (CES), um debate nacional. Depois de uma mesa-redonda e de discussões apoiadas em estudos académicos, a entidade vai elaborar um parecer, este mês.

O caminho da estrutura económica nacional suscita, no entanto, o pessimismo do presidente do conselho, o economista Silva Lopes, para quem o mínimo seria a produtividade nacional crescer anualmente um ponto percentual acima da média da UE, o que não acontece.

Preocupa-o a transição da estrutura económica do país para os serviços, por entender que a vulnerabiliza duplamente: é um sector com fracos aumentos de produtividade, ao mesmo tempo que a base industrial perde terreno. "Uma economia é tanto mais desenvolvida quanto mais gente tiver nos serviços, mas desde que garanta a satisfação da procura dos produtos industriais. Andamos a importar o que não produzimos e a perder posições no mercado", afirma.

Defende que "natural seria que o país passasse de sectores com fraca componente tecnológica para alta, mas não está a fazer isso" e nos serviços defende que o crescimento do sector público é responsável por "deprimir bastante a produtividade nacional". Noutras áreas, aponta contributos marginais ou inexistentes. Como a construção civil, a prestação de serviços de cuidados a terceiros, a idosos, a doentes, também "não aumenta muito a produtividade". Para a mudança que preconiza, deixa um desabafo: "Se viessem aí três Autoeuropas..."

Discutir a produtividade é definir o futuro, mas a fronteira entre o sector de reflexão e o país tem sido difícil de saltar. A produtividade não é um equipamento que se compre, nem uma acção de resultados imediatos, mas determina a sobrevivência de uma economia no futuro. Todos têm co-responsabilidade: o Estado, com políticas públicas de estímulo à educação e formação, o patronato, na gestão e organização empresarial, e os trabalhadores através de um maior envolvimento.

O debate caiu no CES onde estão representados os parceiros sociais. Como a economia já não tem margem para crescer pela via da redução do desemprego e a entrada na eurolândia limitou substancialmente os riscos de derrapagem da taxa de inflação - apesar das oscilações conjunturais -, os instrumentos da própria negociação salarial na concertação social estão a mudar. Os ganhos de produtividade tendem a ser a referência, como já o foi a taxa de inflação, para aferir os ganhos salariais, mas se a produtividade não aumenta os salários também não podem subir. Até aqui, o consenso é quase absoluto.

As dificuldades começam agora e uma das maiores é a escolha, por parte dos parceiros, do conjunto dos indicadores de produtividade por que se vão guiar, no futuro, as negociações em concertação social. Hipóteses teóricas não faltam - produtividade horária e do trabalho, estática ou dinâmica, medida pelo valor acrescentado ou pela produção bruta, de forma mais ou menos desagregada, a nível sectorial ou outro - e é neste ponto que a discussão se encontra. Silva Lopes admite que essa indecisão é o "principal problema", de momento, e que a causa do embaraço deriva da "qualidade e disponibilidade da informação estatística" por parte do INE, nesta matéria. As dúvidas relativamente à produção da fonte oficial de estatística do país referem-se não só à informação disponível até agora como à perspectiva de que no futuro não tende a melhorar. Apesar das limitações, diz o presidente do CES, "alguma medição" se decidirá, porque é preciso "medir os salários".

O compromisso teórico que se procura à volta da produtividade tem, no entanto, implícita uma mudança significativa no tradicional jogo de forças em que se movem os parceiros. A discussão terá de resultar num acordo de concertação, como os conseguidos anteriormente para a formação e higiene e segurança no trabalho, e com consequências visíveis provavelmente nas negociações salariais para 2003. Co-responsabilização é a palavra-chave desse acordo difícil de alcançar, mas considerado inevitável. A futura negociação colectiva lidará com critérios como a flexibilização interna das empresas, as políticas de incentivos ao desempenho dos trabalhadores e a melhoria do nível de "empreendedorismo". Está em causa, do lado do Estado, a garantia de de políticas públicas para a educação e formação, por exemplo, enquanto do lado dos sindicatos e do patronato o respectivo contributo para o aumento da produtividade virá das condições de gestão e organização das empresas.

 



   

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