Câmara em directo de Cannes
Por Vasco Câmara
Domingo, 13 de Maio de 2001


"The man who wasn't there"... e o filme também não

Definitivamente, o cinema, para Joel e Ethan Coen, não é mais do que um jogo de sinais. E interessa-lhes mais o jogo do que fazer algo produtivo com os sinais. Depois da comédia, com o desastroso "O Brother Where Art Thou", agora é o pastiche do "film noir", com "The man who wasn't there" (em competição para a Palma de Ouro). Que é mesmo a preto e branco.

E tão lacónico, tão "poseur", que é o filme que parece não estar lá. Marido (Billy Bob Thornton), mulher (Frances McDormand) e amante (James Gandolfini), chantagem, assassínio, punição. Como nos filmes a preto e branco dos anos 40, só que os Coen são pós-modernos, por isso o castigo chega de forma tortuosa, ínvia (para haver filme, e para, às tantas, haver discos-voadores). Billy Bob, o narrador, é tão lacónico que é quase um buraco negro. Mas aguenta-se firme. O filme é que está tão atordoado de tiques que se desfaz. É claro que está cheio também de "private jokes" cinéfilas, e como Billy Bob é barbeiro isso poderá dar azo aos fãs dos Coen a toda uma deriva "temática": cabeças, cabelos, perucas.

O divertimento ou a militância?

Exibidos sete filmes da competição de Cannes - não contando ainda com as sessões de hoje, em que foram vistas as obras de Manoel de Oliveira e dos irmãos Coen -, as publicações saídas diariamente no festival mostram, nas suas listas, que os críticos estão divididos nas suas preferências: o divertimento ou a militância?

Ainda falta mais de metade do programa para cumprir, mas por agora "Shrek", o novo filme de animação da DreamWorks (a exibição em competição de um filme do género já é singular), e "Kandahar", do iraniano Moshem Makhmalbaf (o pai de Samira, a realizadora de "O Quadro Negro") são os filmes mais votados, e cada um deles está à frente em diferentes listas.

O humor de "Shrek", a forma como reinventa o condo de fadas em "bonecos animados" (melhor, como regressa ao seu espírito original, onde há perversidade e não apenas o maravilhoso à la Disney) foram recebidos como uma lufada de ar fresco num festival tão cerimonioso como é Cannes - o filme até serviu para algumas piadas cínicas, do estilo, "um dia, com a evolução da animação por computador, ninguém precisará de actores de carne e osso e dos filmes aborrecidos a que andam associados".Já "Kandahar", filme-documento sobre a fome, a guerra e a situação da mulher no Afeganistão, é o reverso da medalha, é o toque da consciência, e não pôde deixar de tornar os juízos reféns da sua militância.

De Nicole a Benicio

Em Cannes não se mostram só filmes, também se negoceiam filmes e se anunciam - ou se fabricam - as "next big things". Por exemplo, Nicole Kidman, que por aqui passou no início, por causa de "Moulin Rouge", tem mais três filmes para estrear. Um está em rodagem, "The Hours", de Stephen Daldry, baseado no romance de Michael Cunningham, uma variação a partir de Virginia Woolf; os outros em pós-produção: "Birthday Girl", uma comédia, e o muito aguardado "The Others", do espanhol Alejandro Almenabar, que o presidente da Miramax, Harvey Weinstein, descreveu como um dos mais aterrorizadores filmes que as audiências poderão esperar ver.

Foi ainda anunciado que Steven Soderbergh ("Traffic") vai produzir um filme de um dos seus cineastas favoritos, que é, surpreendentemente, Todd Haynes ("Velvet Goldmine"). Haynes escreve uma história para Julianne Moore, "Far from Heaven", em que a actriz, que Haynes já tinha chamado para "Safe", interpretará uma dona de casa apanhada entre a crise conjugal no lar e os movimentos raciais no exterior, na América dos anos 50. Será uma homenagem ao melodrama americano lacrimoso, e de cores saturadas, tal como foi imposto pelo "mestre" Douglas Sirk.

Quentin Tarantino passou por Cannes, mostrou-se pouco, porque só queria dar um abraço ao seu produtor, Lawrence Bender, e a Uma Thurman, que aqui promoveu a estreia na realização do marido, o actor Ethan Hawke - "Chelsea Walls". Toda a gente está à espera do reencontro entre Uma Thurman e Tarantino, num filme que tem o título certeiro de "Kill Bill". É a história de uma prostituta que se quer vingar do seu "homem" - fala-se em Warren Beatty para o papel. Finalmente, a "reunião" que mais entusiasmos está a causar é a de Juliette Binoche e de Benicio del Toro, num casal não muito católico em "The Assumption of the Virgin", do brasileiro Walter Salles. Ela é uma freira italiana do século XV e está grávida de um frade, ele. Diz-se que as cenas de sexo são bastante explícitas.

 

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