Cannes ao ritmo do french can can
Festival de Cinema começa amanhã
Do nosso enviado Vasco Câmara,
em Cannes
Terça-feira, 8 de Maio de 2001
"Moulin Rouge", com Nicole Kidman e Ewan McGregor, abre
uma das mais fortes selecções dos últimos anos. Regressam
Godard, Oliveira, Lynch, Moretti, Rivette, Tsai Ming-liang,
Ferrara ou Coppola. João Canijo está na secção Un Certain
Regard.
É o "grande regresso dos americanos"
a Cannes, depois de um renovado esforço de sedução
de Hollywood pela equipa que dirige o festival, e o resultado
está à vista: cinco títulos na competição
neste 54º Festival, um deles logo na abertura, amanhã,
mesmo que esse filme, "Moulin Rouge", com Nicole
Kidman e Ewan McGregor, até seja realizado por um australiano
e interpretado por um "cast" que inclui australianos
e ingleses.
O clima é de euforia porque os americanos, de facto,
regressaram, mesmo que continuem a desconfiar que o evento
não é o mais adequado para celebrar os seus
produtos. Mais do que os americanos, esta edição
destaca-se porque, afinal, regressaram "todos":
Godard, Oliveira, Lynch, Moretti, Rivette, Tsai Ming-liang,
Ferrara, Coppola, Hou Hsiao-Hsien e outros "monumentos".
É uma das mais fortes selecções dos últimos
anos.
O ritmo inicial vai ser imposto pelo "french can can",
com "Moulin Rouge". Enquando alguns pensam na forma
de se aproximarem da cabeleira ruiva de Nicole Kidman na festa
que logo à noite coroa a estreia europeia do filme
- jantar de gala exclusivo em ambiente de "cabaret"
e festa -, a curiosidade em relação ao filme
é imensa, directamente proporcional aos receios dos
produtores e realizador do filme. Afinal, é um "musical",
género que não anda propriamente nas graças
das bilheteiras.
Mas não é um musical qualquer, ou não
fosse realizado pelo homem de "Strictly Ballroom"
e de "Romeu e Julieta". O cenário é
Paris, 1899. Moulin Rouge, poetas, putas, absinto e Toulouse-Lautrec.
Algo do mito de Orfeu, e uma série de anacronismos,
como a música de David Bowie ou Massive Attack. Ewan
McGregor é um poeta na miséria que desembarca
em Montmartre e é contratado para escrever um musical
para o Moulin Rouge. Apaixona-se de forma funesta por uma
cortesã e bailarina (Kidman, que de tanto dançar
magoou uma costela e um joelho na rodagem - mas vai ser aqui
acarinhada, certamente, até porque chega envolta em
dor devido ao seu recente desaire conjugal).
Diz Luhrmann que este Moulin Rouge é uma mistura de
Factory de Warhol, Studio 54 anos 70 e Disneylândia
com sexo. As imagens que se conhecem do filme antecipam um
turbilhão verdadeiramente psicadélico. Sabe-se
que Fatboy Slim apresentará a sua versão do
can can de Offenbach, que Nicole Kidman dançará
ao som de T-Rex e Elton John, e espera-se muito que tudo isso
não seja apenas debilidade pós-moderna.
Who's who
"Moulin Rouge" é o primeiro
dos 23 filmes a desfilar no concurso, numa selecção
que verá mais quatro americanos ("The man who
wasn't there", dos Coen, "Mullholand Drive"
de Lynch, "The pledge", de Sean Penn, e "Shrek",
filme de animação da DreamWorks, a terceira
vez que um filme do género compete na Croisette, e
a primeira desde "Peter Pan", em 1956); uma frente
"autorística" sem contemplações,
quer seja europeia, no caso de Manoel de Oliveira ("Je
rentre à la maison"), Godard ("Eloge de l'Amour"),
Jacques Rivette ("Va savoir!"), Nanni Moretti ("La
stanza del figlio") ou Alexander Sokurov ("Taurus"),
quer seja asiática, no caso de dois nomes fundamentais
do cinema taiwanês, Tsai Ming-liang ("Et là-bas,
quelle heure est-il?") e Hou Hsiao-Hsien ("Millenium
Mambo"), e no confronto entre duas gerações
de cineastas japoneses, representadas por "De l'eau tiède
sous un pont rouge" de Shohei Imamura e "Desert
Moon", de Aoyama Shinji - nome revelado o ano passado
no certame.
Há mais: "La pianiste" de Michael Haneke,
com Isabelle Huppert, "Kandahar", do iraniano Mohsen
Makhmalbaf, ou os franceses, com "La répétition"
de Catherine Corsini, "La chambre des officiers"
de François Dupeyron e "Roberto Succo" de
Cédric Kahn. A partir de agora é com o júri
presidido pela actriz Liv Ullmann - e que inclui Charlotte
Gainsbourg, Sandrine Kiberlain, Julia Osmond, actrizes, Moufida
Tlatli, Mimmo Calopresti, Terry Gilliam, Mathieu Kassovitz
e Edward Yang, realizadores, e o escritor Philippe Labro.
Se olharmos para as secções paralelas, é
a mesma sensação de um desfile "who's who".
Na secção Un Certain Regard, onde está
o português João Canijo, com "Ganhar a Vida",
pode-se viajar pelos territórios assombrados de Abel
Ferrara ("R-XMas") e Todd Solondz ("Storytelling"),
perceber onde é que andam, agora, Hal Hartley ("No
such thing") e Jacques Doillon ("Carrément
à l'ouest"), reencontrar um nome do Cazaquistão,
Darehzan Ormibaev ( "La route") ou descobrir a estreia
na realização de Jennifer Jason Leigh, com "The
anniversary party". Outras estreias como cineastas: Ethan
Hawke, actor ("Chelsea walls", na Quinzena dos Realizadores),
Michel Gondry, autor de videoclips ("Human nature").
Outros reencontros: "Martha...Martha" de Sandrine
Veysset (a realizadora de "Será que Vai Nevar
no Natal?"), "Ouvriers, paysans" de Danièle
Huillet e Jean-Marie Straub (Quinzena), ou, fora de competição,
"ABC America", documentário de Abbas Kiarostami,
"Il mio viaggo in Italia", documentário de
Martin Scorsese sobre o cinema italiano, e a versão
"definitiva" de "Apocalypse now", de Francis
Ford Coppola.
|