"Antes que anoiteça"de Julian Schnabel, na Série Y
Por VASCO T. MENEZES
Sofrimento. Talvez a palavra-chave para resumir a existência de Reinaldo Arenas, quase desde o primeiro momento: logo aos três meses, a mãe pega nele e regressa a casa dos pais, na província rural cubana de Oriente, sinal do fracasso de um breve idílio amoroso.
De qualquer forma, os tempos de infância, passados entre as décadas de 40 e 50, acabam por ser os mais felizes da vida de Reinaldo. A razão é simples: à total pobreza corresponde uma total liberdade. É durante esse período que primeiro se revelam os seus dotes artísticos, em particular a sensibilidade para a poesia. Uma descoberta que não é do especial agrado do avô: enfurecido, muda a família para a cidade de Holguín.
Adolescente, e em vésperas da queda da ditadura de Fulgencio Baptista, Reinaldo não consegue evitar o tédio, apesar das primeiras experiências sexuais. O entusiasmo só chega com o anúncio da Revolução Cubana, quando o jovem decide sair de casa e partir para se juntar aos rebeldes de Fidel Castro. Em 1964, já adulto (interpretado por um notável Javier Bardem) e em Havana, ao tomar consciência da sua homossexualidade, percebe também que o paraíso revolucionário deu lugar a uma outra realidade, mais dura e feita de desilusões.
Quando lhe é negado o primeiro prémio de um concurso para jovens escritores, em favor de uma obra declaradamente menor, Reinaldo vê a frustração aumentar e acaba por se envolver com a intelectualidade contestatária do regime. A transformação em artista "não alinhado" e a recusa em ocultar as preferências sexuais dão início a um longo calvário: perseguições, torturas e humilhações. No entanto, vai conseguindo que os seus trabalhos sejam publicados clandestinamente no estrangeiro, não deixando nunca de escrever. Nem mesmo na prisão...
Depois de "O Barbeiro", a série Y prossegue com mais um título - "Antes que Anoiteça" (2000) - dominado pela presença magnífica de um actor. E se no filme dos irmãos Coen era Billy Bob Thornton quem cativava, agora é a vez do espanhol Javier Bardem assinar outro "tour de force" admirável, o centro da segunda longa-metragem do pintor americano Julian Schnabel.
Tal como no anterior "Basquiat", Schnabel volta a demonstrar o fascínio pelas "vidas de artista" ao adaptar as memórias póstumas do escritor Reinaldo Arenas, uma das mais carismáticas vozes literárias cubanas. E, mais uma vez, volta a contar com a preciosa contribuição de ilustres convidados como Johnny Depp, Sean Penn, Michael Wincott ou os realizadores Jerzy Skolimowski e Hector Babenco em pequenos papéis.
O filme - que arrisca traduzir em imagens o turbilhão de uma existência atormentada - conquistou o Prémio Especial do Júri em Veneza. O festival reconheceu também a comovente composição de Bardem, que, entre outras distinções, foi ainda nomeado para o Globo de Ouro e Óscar para o melhor actor.
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