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"Servidão
Humana", de William Somerset Maugham
Raquel Ribeiro
Quando amanhã chegar ao quiosque e lhe entregarem o jornal com o livro, não se assuste ao pegar na "Servidão Humana" de William Somerset Maugham. Não levante a testa nem franza o sobrolho quando vir o peso destas quase 600 páginas escritas por um homem inglês que nasceu em Paris e viveu quase 100 anos.
Hoje há poucos escritores como Maugham. E há poucos livros assim, de 600 páginas, como este, em que entramos na vida de um personagem, sem pedir licença, e vamos conhecendo-o como a nós mesmos. Ele começa a fazer parte da nossa vida, durante algum tempo, do nosso dia-a-dia - porque 600 páginas não se lêem de rompante. E é esse tempo que sabe a passado, que sabe a futuro, porque aprendemos e relembramos com ele.
Maugham era uma "máquina de fazer livros": considerado por muitos um dos maiores técnicos do romance, escreveu 25 peças de teatro, 20 romances e mais de 100 contos. Muitas obras suas foram adaptadas para cinema. Viveu em França, nos EUA, no Taiti, vagueou longamente pela Ásia. Era um verdadeiro "scholar" - a palavra inglesa é talvez mais justa, porque mais abrangente: Maugham não era apenas um letrado; era mais do que isso, um erudito, um sábio, um escritor culto. E são estes os escritores que nos ensinam coisas, que nos encaminham para outros autores, para um quadro que nunca vimos, para as cidades que gostaríamos de ter conhecido - alguém com quem podemos descobrir o resto do mundo. Só com palavras.
"Servidão Humana" é um livro sobre o quê? Sobre a vida, as dúvidas - sobre os caminhos que seguimos ou não seguimos, e como a vida se tornou outra depois dessa decisão.
Philip, o protagonista, era uma criança tímida. Os pais morreram cedo e foi adoptado pelos tios, em Blackstable. Tem pé boto, uma deficiência que o afastou das outras crianças e o impediu de jogar futebol com os amigos. A timidez e a doença fecharam-no ao mundo. É nessa solidão e no cinzento do campo inglês que vamos conhecendo as suas angústias - como seria a vida sem Deus? Por que tenho de me sujeitar a Ele, amá-Lo, admirá-Lo, servi-Lo? Nada disto é por acaso: o tio de Philip é padre e deseja que o jovem siga a carreira religiosa. A história será construída nessa ambiguidade, na balança entre a fé e a sua ausência.
E depois? A vida seguirá e
acompanharemos esse percurso - primeiro no colégio,
em Tercanbury, depois em Heidelberg, Londres ou Paris. Estudaremos
com Philip contabilidade, pintura ou medicina. E também
nos apaixonaremos por Mildred (a criada de mesa que o leva à ruína)
ou por Sally. Choraremos com ele nas noites frias de Inverno,
na solidão de Londres. E descobriremos o amor, "o
mais empolgante jogo em que participara".
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