"Os Jardins de Luz", de Amin Maalouf

"Os homens dão a Deus nomes inumeráveis, os quais são todos verdadeiros, e também todos falsos. Se Ele tivesse um nome, não poderia escrever-se com as nossas palavras, nem ser pronunciado pelas nossas bocas."
As palavras são de Mani, pintor, filósofo, poeta, músico e médico, que, no século II da nossa era, propunha uma nova visão do mundo, humanista e conciliadora de todas as religiões - o "maniqueísmo", palavra hoje "volvida insulto nas nossas bocas". "Os Jardins de Luz", de Amin Maalouf, é a história de Mani, profeta visionário, nascido em Mardinu, Babilónia, em 216 da era cristã, ano 527 dos astrónomos de Babel.

À beira da água, com 12 anos, Mani contempla no espelho a aparição desse "outro" - "o meu gémeo" - que lhe revelará a verdade. E o "gémeo disse-lhe muitas outras coisas que ele tinha sede de ouvir". A sua peregrinação começa, do Tigre ao Indo, espalhando a sua mensagem de tolerância. As multidões ouvem-no admiradas, nesse jardim de luz, "ao pé da árvore mais venerável".

"Principiou uma era nova que precisa de uma fé nova, uma fé que não seja a de um só povo, de uma só raça, nem de um só ensinamento" - Cristo, Buda, Zoroastro ou Ahura-Masda são nomes invocados nas orações maniqueístas. Diz Mani: "Respeito todas as crenças", "professo todas as religiões e nenhuma". O seu crime - e pagará por ele - será querer conciliá-las.

A mensagem de Mani chega aos ouvidos de Sapor, rei dos reis, que se rende às palavras do profeta. Ctesifonte - "a embriaguez ordenada, a grandeza meticulosa, herdeira da Babilónia e rival de Roma" - torna-se o berço do maniqueísmo.

Mas Mani será uma vítima do seu próprio sonho: "A culpa é deste século", diz. "Os príncipes deste mundo amaldiçoaram-no, transformando-o no 'demónio mentiroso', no 'recipiente atulhado de mal', no 'maníaco'; a voz dele passou a ser um 'pérfido encantamento'; a sua mensagem, 'a ignóbil superstição', 'a pestilencial heresia'", escreve Maalouf. Depois, as fogueiras fizeram o resto: "Consumindo num mesmo fogo tenebroso os seus escritos, os seus ícones, os mais perfeitos dos seus discípulos."

"Os Jardins de Luz" (1991) é o quarto romance de Amin Maalouf (n. Beirute, Líbano, 1949). Mani é mais um dos seus personagens, quase sempre errantes peregrinos de complexos conflitos interiores, confrontados entre as crenças que os enformam e as épocas que os desafiam. Maalouf percorre os "mitos positivos", a memória da História, temas constantes na sua obra desde "As Cruzadas vistas pelos Árabes" (1983) até "O Périplo de Baldassare" (2000), o seu romance mais recente. Os seus livros são um espelho da própria existência: a guerra civil no Líbano, em 1975, obrigou-o a emigrar para França, onde vive hoje com a família. Chamam-lhe o "homem-ponte", exilado do Oriente, peregrino no Ocidente.

    
   

 
Amin Maalouf